3 POEMAS INÉDITOS DE LÚCIO HUMBERTO SARETTA
Uma aranha se esconde entre os meus livros
Uma aranha se esconde entre os meus livros
E vez por outra aparece atrás da estante
Como um sol de raios negros exibindo
Sua aparência monstruosa e fascinante
E quando penso em me livrar da criatura
Acabo preso em uma dúvida cruel
A força bruta arruinaria os meus volumes
Inseticida mancharia o seu papel
Com olhos mórbidos, estrábicos e pacientes
A invencível guardiã da biblioteca
Vai tecendo a sua teia entre as palavras
Enquanto o Tempo está tirando uma soneca
Tanta coisa nessa vida eu aprendi
E no fundo só restou uma certeza
Nada sei sobre a tal filosofia
Que habita os livros e a natureza
Uma aranha se esconde entre os meus livros
E nas sombras vai fazendo a sua mágica
Apagando as lembranças do meu ser
Arrastando o seu corpo sobre as páginas

O sapo
Quando a mansidão da noite
Se esparramou sobre o jardim
Junto ao rumor da fonte
E a fragrância do jasmim
Um grilo afoito cricrilava
Escondido na penumbra
Enfeitando o silêncio
Depois de uma forte chuva
Subitamente eu percebi
Como se fosse uma pedra
Impassível sobre a grama
Junto às flores e à hedra
A figura de um sapo
Fascinante e serena
Exibindo lustro papo
Sob a luz da lua cheia
Que surgia entre as nuvens
Com seus raios amarelos
Enquanto o sapo vigiava
O jardim pequeno e belo
Não chamava atenção
A estranha criatura
Encostada no anão
Que sorria com ternura
Esculpido no cimento
Com sua touca escarlate
E a roupa bem cosida
Por um hábil alfaiate
Enquanto isso o pobre sapo
Tinha ares de feiura
Com o seu pescoço chato
E a sua pele dura
Assim mesmo era caro
O sapo do meu jardim
Pois o seu olhar bizarro
Dizia coisas sobre mim
Sendo tão sozinho o sapo
E desprovido de beleza
Nele eu encontrei de fato
Um amigo na tristeza

Por enquanto
Por enquanto
Que ainda tenho sonhos
E pernas que conduzem
Esse meu andar tristonho
Por enquanto
Que ainda tenho planos
E o lápis que desenha
Esses meus versos insanos
Vou seguindo
Na espera do momento
Em que eu veja uma saída
Para a mágoa que está dentro
De mim mesmo
Com a débil esperança
De encontrar em qualquer canto
Minha aura de criança
Outra vez
E brincar nas águas calmas
De um lago azulado
Nos verões do meu passado, mas
Por enquanto
Que o sucesso não existe
Ando só pela calçada
Da cidade fria e triste
Contemplando
Velhos plátanos e prédios
Mergulhado nas lonjuras
De um inabalável tédio
Que perfura
Minha alma e no entanto
Sigo alegre e paciente
Por enquanto
Lúcio Humberto Saretta é autor de O louco no espelho e Lições da barbearia, entre outros livros de narrativas curtas. Integrou a antologia Não Culpe o Narrador e Tudo soma zero: histórias de outros futuros. É bibliotecário e escreve para o site Olá Serra Gaúcha.