À LINHA D’ÁGUA DO RIO – MINICONTOS DE SIDNEI SCHNEIDER
Biografia
Nasceu magro, aquém. A tia não era dada a cuidados. Esse não dura uma semana. O horror da mãe, ainda no hospital. O pai batia sineta na escola, enquanto terminava os estudos. A mãe comia laranjas e melado, mas não eram desejos de grávida. Voltaire chegou tão mirradinho, que ali mesmo o batizaram. Após esta entrada triunfal, qualquer um toma gosto por histórias fortes. Morreria escritor.

Confiança
O pai e a mãe ao redor de uma pedra redonda de granito, três as filhas. Elas subiam na pedra, deixavam-se cair de costas, e o pai as salvava. A menor, numa das vezes, olhou para trás, insegura. Então o pai falou, olha pra frente, fecha os olhos. Ela fez, e se deixou cair, livre de ter de confiar apenas em si.

Lição
Desenhe um quadrado. O professor caminhava entre as mesas e espiava os cadernos, para garantir os rigores da forma:
– Isto é um quadrado? – apontou para o círculo.
– É que eu soprei nele – disse o menino, balançando a cabeça de alto a baixo como se não fosse mais parar.

Perigo
Por um instante, a filha endereçou o olhar ao infinito, e a mãe, que não podia mais acompanhar o que ia por dentro de sua menina, perguntou, um tanto irritada, se ela estava pensando ou o quê? Desconfortável, a mosca do teto entrava em contato com o terror, do qual passaria, irremediavelmente, a fazer parte. Nada que o namorado da mãe desenvolvesse faria sentido para uma ou outra. Então, para resgatar a filha e salvar o que restava da mãe, ele apenas disse: pensar é bom.

Estética
A sobrinha apontou a lua cheia entre os prédios, “olha, que linda”. Altamiro fez que sim, concordando. Ao darem com um ex-carpinteiro de rosto vincado, ela segredou para Altamiro, “bonito, né?” Ele fez que sim, concordando. Mas quando uma passeata cruzou por eles, reivindicando lâmpadas para os postes do bairro, com gritos de mais luz, mais luz, ele proferiu sua iluminação: “taí beleza difícil, porque nova”. Marília fez que sim, discordando: “tem duzentos e tantos anos!” Terçava por luz própria, como a passeata: “difícil pra quem?”
* À LINHA D’ÁGUA DO RIO
é um livro em finalização de minicontos,
poemas em prosa, observações,
crônicas e pequenas ficções.
Sidnei Schneider é poeta, ficcionista, tradutor e ensaísta. Publicou De rua e sangas (2ª ed. 2019), Andorinhas e outros enganos (2012), Quichiligangues (2008), Plano de Navegação (1999), entre outros. 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM (1995), 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS (2003), Troféu Açorianos de Divulgação literária, Prefeitura de Porto Alegre (2008).