DE ‘CONSUBSTANTDJETIVOS COMUNS’, DE ADRIAN’DOS DELIMA
ATO DO RECOMEÇO
O vento vune
Na minha orelha
Se levanta o cabelo
E quanto àquilo
Que eu pensava tão longe
Caio em meu corpo
Mas mergulhar
Minha bota
No brilho do asfalto
Recompõe a noite
Tudo aquilo que pensei
Cai com a chuva
Branca de luzes
Tudo aquilo
Se recompõe
Em mais um passo
Outro

NO COLIBRI LANCHES, CERTA TARDE, RECENTEMENTE DESEMPREGADO
Me sinto bem no balcão
Bem à vontade nos banquinhos redondos de fórmica
Bem neste bar com cartazes pelo visto
De produtos que sumiram têm anos do mercado
Não adianta pedir hot-dog
Não entendem bulhufas
Mulheres não passam debaixo da porta
Passa uma
Que chama
Olhares tortos
Com o pão na boca
Operários com macacão azul
Pedem pão-com-manteiga
E taça-de-café-com-leite
Ouvem piadas
E sou tratado como freguês
Alguns penduram a conta
O homem tem cara de português
E eu sou o poeta da língua
Prazer

COISAS, COISAS
coisas, COISAS que eu quero dizer e digo pra trás
Eu quero dizer coisas
que eu quero dizer e deixo pra trás, digo, fico
Eu quero dizer
São essas coisas que eu
não digo
quer dizer
ficam

DE QUANDO VOU PELO DESCHOVIDO
Um asfalto que se mexe
Parece vivo
Em minhas botas
Choveram cacos de vidro
De um poste a um limoeiro
Contra a luz fraca
Do presente
Penso
Que meus cabelos prateiam
Na soma dos instantes
Com este
Adrian’dos Delima (Canoas – RS, 1970), pseudônimo para Adriano do Carmo Flores de Lima, é poeta, tradutor, teórico de poesia e compositor. Cursou Letras, habilitação tradução na UFRGS. É autor dos livros Consubstantdjetivos ComUns (2015), Flâmula e outros poemas (2015) e O aqui fora olholhante (2017). Publicou poemas autorais, textos teóricos e traduções de poemas em várias revistas impressas e online. O primeiro poema, Ato do Recomeço é de Consubstantdjetivos ComUns e os demais de O aqui fora olholhante.