DE ‘E SE ALGUÉM O PANO’, DE ELIANE MARQUES
1 – o grito alouçado entre as falanges
o grito alouçado entre as falanges
quase estômago por rezas ou doce
archotes ora mediante muito troco
com o g a menos da letra de câmbio
ai ai ai meu deus assim o quadro
“a expulsão com golpes de cana”
de repente o boa-noite aos poucos
além-ar alijados às armas brancas
com a licença dos barrancos o cão
o cão seu dono sob a lua em câncer
o grito – dos espanhóis seu rabo de olho
a espera do tutano para algum embrulho
como se retinta a caixa onde o seu crânio
aos trancos só por toleima rinhas e canto
o osso na tampa
o soba – camareiro amaranto
o entulho nas unhas os troços
o que essa gente e seus amiantos?
vento ao sul chutes à proa
a colher (em seu estojo)
penas para a boca
por que aos braços sobra
o consolo de que gyges
(noutros tempos)
fez a festa na trácia louça

4 – se mancenilhas na língua
se mancenilhas na língua
norma de pedra e sabão
se às prontas tortilhas
dois pulos
sobre as patas do boi
se o sôngoro sabe
se contra o couro
querela a savana
e se irene não-à-lei
e se irene não-sinhô
e se não-tão-preta
e nem-tão-boa
e se ainda aos piores mortos
o amém das moças
e se não-não-iá-iá
e se tome
e se ainda o amontoado atamanca
e se alguém o pano
disfarçá-lo com um manto
a animália-dilúvio
a cruz-escudo
a rotina dos túmulos pela úmida vez

26 – resta na medula das coisas
resta na medula das coisas
ali onde sobram em conluio
os sapatos
se pudesse fraturá-las
deitá-las sobre a cama
se o crime alguém o intentasse somente com o pranto
mas tem lá o seu cavalo mouro um lenço para as louças
e outro (mais curto) às canecas de estanho
a negrinha dada aos serviços da casa
corpo que se aquieta no tropel dos infantes
corpo a quem se indefere
o bilhete de passagem
um corpo pequeno um corpo estranho
ao seu braço não basta a cabeça de piolhos
esmagá-los como castanha
esse braço dado aos serviços dos outros
tem lá o seu cavalo mouro seu ruído entre os zimbros
tem lá o seu cavalo mouro seu cheiro de crina
contra a força que se opõe às insistências do morto
a negrinha braço da casa
louça partida entre tantos
a negrinha dada aos serviços da casa
tem lá o seu cavalo mouro
eu disse: tem lá o seu cavalo mouro
eu disse: tem lá o seu cavalo mouro
Eliane Fernandes Marques nasceu em Sant’Ana do Livramento (RS). Advogada, reside atualmente em Porto Alegre, onde atua como Auditora Pública Externa do Tribunal de Contas do Estado. Além das Graduações em Pedagogia e Direito, é Especialista em Constituição, Política e Economia, pela UFRGS e Mestre em Direito Público pela UNISINOS. Fez formação em Psicanálise na “Après Coup Porto Alegre Psicanálise e Poesia” e foi uma das ministrantes, nessa instituição, do curso de Direito e Psicanálise. Traduziu em 2012 O trágico em psicanálise, de Marcela Villavella. Nesse mesmo ano, esteve à frente do projeto “Poetas do Futuro”, do qual participaram crianças e adolescentes acolhidos pelo Instituto Recriar, trabalho este que originou a revista Não é o bicho. Foi também responsável pela organização do livro No meio da meia-lua, primeiros versos (2013), do coletivo Africanamente Escola de Capoeira Angola. E coordenou, junto com outros poetas, o AEDO – Arte e Expressão da Oralidade – Festival de Poesia, bem como as várias edições do Porto Poesia. Coordena o projeto Escola de Poesia e faz a coordenação editorial da revista Ovo da ema. Como autora, integrou, em 2008, a coletânea Arado de palavras, ao lado de outros autores sulistas, bem como a revista Água Viva. Sua primeira publicação individual é de 2009, Relicário. Os poemas aqui apresentados são de E se alguém o pano, lançado em 2015.
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