5 POEMAS DE RAMON CARLOS

Anestésico

Depois de descobrir
Que os mosquitos têm dentes
Todas as noites,
Quando esses bastardos decidem aparecer
Eu tenho uma certeza, meu bem
De tanto sugarem você
Agora eles precisam de mim
Do meu sangue alcoólico
Para aliviarem suas dores
E é só por isso
Que não os mato
Apenas mastigo
Um que outro
Para velar
Seu sabor

Magnitude

Sangue talassêmico
Os cabelos brancos de Virgínia
Enquanto estende as roupas, cantarolando
Feito pássaro de madrugada, fazendo ninho dentro do túnel
Aves de peitos luminosos, como se tivessem sido pintadas
Por Rafael, no intervalo das Madonas
Esquinas de um corpo esfarelado em diamantes
Faíscas que verberam entre as frestas dos seus olhos
Antíteses selando um acordo efêmero
Natural como cobras nadando em leite materno
“Rafael tem algum quadro assim?”
Uma dose de sangue talassêmico com gás
A noite risca fósforos no crepúsculo
As estrelas acendem cigarros quando morrem
Virgínia ri enquanto prende os cabelos
Seios rijos como a ponta de um prego
Ela desenha sua imagem no espelho
Pergunta quando os fiapos brancos pararão de nascer
Lembra da lua de dias atrás
“Parecia uma boneca contando piadas”
Lembra da chuva em seu colo ontem
“Tempestade anônima sem gás”
Veste-se com a etiqueta de Versailles
Suspira ao ouvir o piano do vizinho
Mas ele não sabe tocar porra nenhuma
“Só belisca ternos de gesso”
Vai fritar ovos, conta piadas
Boneca em órbita, placebo de Vênus

Vou até a janela hoje, a luz do seu quarto está apagada
Risco um fósforo, acendo um cigarro
Observo a noite
E não morro, tal qual
As estrelas

O enredo da porta ao lado

A tampa da panela que cai
Dando voltas sobre a mancha
No azulejo frio e úmido do dia vinte
O forno do fogão inutilizado
Pela válvula protetora de gás para crianças
Mas nunca houve criança, nem costela assada
O prato quebra
Como inimigo público número um
John, João, o rato suplica um martelo na ratoeira
O vestido foi tingido pela empregada
Que misturou uma camiseta laranja nas roupas brancas
John, João, o rato ainda se debate com os dentes cravados no queijo
E eu ainda estou acordado
Porque minha toalha de banho 100% algodão
Esteve molhada desde ontem
Por que separar o garfo da faca?
Era sopa
O guardanapo terminou
Por limpar marcas de sangue nas frutas
Tem uma batata podre embaixo da pia
Eu ouvi, mas não falei
Os banhos são maravilhosos
Até gosto daquela música
Mas nunca cantaram até o final
Ou será que fui interrompido pelo carteiro sem botas?
John, João, Joana, Jô, Jó
Eu recolhi a batata
Terminei com o sofrimento do rato
E imaginei vocês
Em um transatlântico
Durante a manhã
Falando sobre o vizinho
Que nunca estava

Sobre nada

Mesmo que o grão disseminado
Conteste a singularidade do plantio
E a terra em desuso
Combata o florescer obscuro
Delírios ácidos acentuarão
Debalde, a irrigação nos poros
Latentes em cada movimento
Mesmo que imortalizar os vícios
Signifique simpatizar a paranoia
Ramas plácidas infinitas
Ainda codificarão o instinto
E os pressupostos doutrinarão a culpa
Se os sapos tivessem asas
Não bateriam com o traseiro no chão
Sempre que pulam
Mesmo que as pupilas dilacerem o razoável
E as bigornas sirvam de peso para papel
Alguma coerência ainda restará
E vibrará como uma víbora
No forno aceso
Jogar fora a própria vida
Significa usá-la da melhor forma
Mesmo que confrontar medo com medo
Seja um blefe da consciência
A confusão enrijece o apetite
Por tudo que se ganha sem razão
Admita que sempre foi hipócrita!
Sendo hipócrita, como posso admitir?
Ousar ou usar
Se em qualquer momento da minha vida
Eu depositar toda minha esperança em alguém
Então podem ter certeza
De que perdi a esperança
Mesmo que nada seja atributo de tudo
Tudo que se escreve sobre nada
Sobretudo
Sobre nada, esse poema
Não quer dizer tudo
Um peixe de sobretudo
Nada nada
Em seu aquário

Ramon Carlos é coautor do livro estrAbismo (Editora Viseu, 2018). Escreve no site: http://www.estrAbismo.net. Tem materiais diversos espalhados em revistas como: Mallarmargens, LiteraturaBr, Acrobata, Philos, Amaité Poesias & Cia, InComunidade, LiteraLivre, Subversa, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura, Jornal Plástico Bolha, A Bacana e Cidadão Cultura.

POESIA

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: