À FOLHA SOLTA
Poesia é que nem…
Flor: Qual é a sua?
Oh, não tem?
Quem sabe fruto?
Não, também.
Ah, são os outros
Que os contém!
Então… e folhas?
Viçosas, vibrantes…
Acertei, não é?
Sabia desde antes!
Pois, então, cante
À folha solta,
Enrede o vento
A dar-lhe voltas,
Ensaie um verso,
Abra essa porta!
Já não importa
Se desafina
E a folha é torta.
Sabe o filhote?
Que anda bambo
Ea pata troca?
Que embaraça
Como minhoca?
Que visão terna!
Quiçá eterna!
Depois que cresce,
Ai, que desgraça!
Se enche de medo
E fúria vãs.
Tudo fumaça
Que tira a graça
E torna a vida
Papel de traça.

O ESPINHO
Antes de virar espinho, é mole:
Fácil de inexistir,
Como a pequena rixa.
Antes de ser dura e seca,
E verde, ainda inocente.
E bonito vê-la jovem, sem defesa.
Mas espinhar é preciso!
Dita a sua natureza.
E quem sou eu para achar ruim?
Toda tuna é assim.
Sabe-se lá do que se protege.
Quem sabe, tem todo o sentido
O espinho que ali emerge.

ESPELHO INVERSO
- Diga-me quem odeias e te direi quem és.
Dizia a velha senhora, curvada até os pés.
Perguntei: – Não é ‘diga-me quem amas’? - Também, pois, és feito de amores e dramas.
- Mas, o que tu amas sabes ser parte tua.
O que odeias, não! Atravessas a rua.
Os ódios não têm pudores ou recato.
Ao amor, costumas ser tanto mais cauto. - Vês que tornas manca a verdade?
Só vale o outro quando adota a tua certeza?
Ora, extrais do universo a metade!
E o quanto ages tu como o tal perverso?!
O tempo denuncia, sem pressa, de surpresa:
Será que odeias… teu espelho inverso?

A GOTA D’ÁGUA – III
Trago memorias da gota primeva.
Lágrima errante, pingo que enerva.
Agora peixe, decerto me encontro!
Já que fui corvo, fui árvore e potro.
Enfim, nado amplo, nas aguas imerso.
Pela boca aberta borbulham meus versos!
Mas, se ser lenho, potro e ave cansa…
Também o peixe o tédio alcança!
Fundo d’água… barulheira imensa…
É como passar num ventre a existência!
Então, cá estou, sol na pele. Superfície!
Emersa na saudade da planície.
Avisto um barco em mar profundo,
Fala-se em reino de outro mundo.
Chego para perto, junto coragem!
É barco de pesca ou de viagem?
A voz orienta que se pesque homens!
Atiro-me à rede! A mim não comem!
Ah, que ser peixe diminui a mente…
Juntei-me ao cardume inocente!
Como essa gente fala de Deus!
E eu, no balde, a ouvir hebreus.
Sabem eles como ao céu chegar?
Dou-me sem espinho! Venham tragar!
A velha gota sedenta de tudo.
Espelhando um azul absurdo,
Ouem sabe, na nova comunhão,
Sinta ardor de salvação!
Venho eu na bandeja que a mulher traz.
Agora verei do que sou capaz!
Ah! Mito particular do Ser!
Graça ou castigo, querer viver?
Quando eu voltar ao céu, de retorno,
E deixar de ser frio, quente ou morno,
Cessarei todo ciclo e pulsão.
Ser… e não-Ser… a própria imensidão.
Mariana Machado de Freitas nasceu em Pelotas (RS) e mora em Santa Maria (RS). É poetisa, escritora e possui bacharelado, licenciatura e mestrado em Artes Visuais. Seu primeiro livro, “A Gota D’água” (2020), pode ser adquirido no link: https://pag.ae/7Wk2JJG4o
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