‘ASSOMBRAÇÕES’, DE DOMENICO STARNONE
Por Graziela Jacques Prestes
Curioso como logo este ano pandêmico foi ser marcado por ótimas leituras, especialmente com a descoberta da editora Todavia, que publicou nada mais nada menos que a nobelizada Olga Tokarczuk, em “Sobre os ossos dos mortos”, lido nas férias de fevereiro. Ou o premiado “Afetos ferozes”, de Vivian Gornik, sobre a relação mãe e filha, que entrou com força e me fez escrever: “Nasci com a morte à espreita. Desde lá, já sentamos algumas vezes à mesa para tratarmos de negócios. Nunca consumados. A primeira vez que cegamente me abandonei deveria ter uns 12 anos. Uma ode à cidade jogada na lixeira. Ventava e o papel saiu voando. Não me importei em juntá-lo. Deixei-o na sarjeta. Autoconfiança nunca foi meu forte.”
Em “Assombrações”, de Domenico Starnone, também editado pela Todavia, o protagonista Daniele Mallarico vive, sozinho, as agruras da velhice até que sua filha lhe telefona pedindo para ficar com o neto Mario, de 4 anos, por alguns dias, enquanto ela e o marido viajam a trabalho. O diálogo é franco, seja, pelo menos, um avô, já que não foi bom pai, nem bom marido, nem bom etc. Um homem dedicado ao ofício da ilustração, que o fez famoso e respeitado. O argumento do livro, “provecta idade” versus “tenra idade”, não é original, é natural, e a trama é envolvente porque, a todo momento, torcemos para que o decrépito avô se supere. A crueza em expor seus sentimentos não tão nobres é desconcertante e, ao mesmo tempo, corajosa. Se Leïla Slimani, em “Canção de ninar”, desmitifica a maternidade, aqui, Starnone expõe, com maestria de espadachim, o esgrimir com a avançada idade.
Aos apaixonados pelas crianças, pelo dom divino da vida ressignificado em seus nascimentos, soa chocante a impessoalidade com que o avó refere-se ao neto, “o menino”, quase como um pequeno selvagem dominado por suas vontades. Daniele não esconde a inveja que sente do talento de seu próprio neto, que tem o sangue do genro, adverte. A dúvida, o ser cambaleante. “Abraça! Abraça!”, gritamos mentalmente. Para mim, o ponto alto do livro acontece quando Daniele e Mario estão lado a lado desenhando, porque se instaura o encontro sagrado entre dois seres humanos por meio da arte. Não importa a idade, não importam as dores, não importam os egos, quando duas pessoas se ouvem. E o que faz Daniele com isso?! Será um escorpião encalacrado? Descubra você mesmo lendo este que é o livro do meio da trilogia de Starnone, sendo “Laços” (2017) o primeiro e “Segredos” (2020) o terceiro. Aliás, nada a declarar sobre sua relação com Elena Ferrante, nem sobre o jogo do duplo sugerido pela menção ao conto de Henry James. Divirta-se.
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