‘NÃO, NÃO É BEM ISSO’, DE REGINALDO PUJOL FILHO
Por Cassionei Niches Petry
Não, não é bem uma resenha, assim como o livro, objeto desta não-resenha, não é bem um livro, assim como os contos que o compõem não são bem contos, assim como o autor não é bem um escritor e o crítico não é bem um crítico. Já a editora é a Não Editora, que tem como logomarca aquele cachimbo do Magritte do quadro em que há a inscrição “isto não é um cachimbo”.
Não, não é bem isso que eu queria escrever sobre Não, não é bem isso, de Reginaldo Pujol Filho. Então, vamos recomeçar. Instigado pelo Lucio Carvalho (não, o Lucio não tem acento), da Revista Sepé de Literatura, para escrever sobre um livro que li no não-ano de 2020, não pude dizer não, afinal o editor do site deu espaço para este escriba, inclusive divulgando o meu não-romance, “Relatos póstumos de um suicida”, lançado pela Editora Bestiário, cujo protagonista, inclusive, cita outro livro do Pujol. Optei por escrever sobre uma obra que li num momento em que não estava mais escrevendo crítica literária e que, portanto, mesmo tendo gostado, não foi resenhada por mim. Isso é normal. Nem tudo o que leio desperta uma resenha, até porque sou indisciplinado para escrever.
Senti, agora, a inevitável necessidade de sugerir aos leitores e não-leitores desta revista o livro que, como acontece com todos os livros do Pujol, é uma experiência literária mais do que um livro, forma um conjunto de artefatos, mais do que contos, de um autor que é mais um artífice do que um escritor. Não à toa um dos contos é composto por um simulacro de uma página da Wikipédia, explicando o que seria uma tal de “Síndrome de Amnésia Induzida (SAI)”. Outra história, “O que não saberemos”, traz imagens tiradas da internet que ilustram o enredo que se passa na Rússia e traz Vladimir (Putin?), como protagonista. Em “O que é barco, o que é casa, o que é mundo”, Pujol reescreve, glosando o texto bíblico, o mito da Arca de Noé, imaginando todos os problemas que resultariam ao juntar em uma embarcação seres cuja natureza exige que eles se piquem, se engulam e se devorem em busca de sobrevivência: “E um sapo, muito parecido com o que vós conheceis hoje, esticou a língua num chicote mortal, e o mosquito estava engolido, numa cena absolutamente normal para vós que assistis ao National Geografic no conforto do vosso sofá. Mas não para Noé (…)”.
O que dizer do conto em que um escritor, Enrique, mantém em seu apartamento em Barcelona um hóspede velho e cego chamado Jorge e eles escrevem contos e ensaios juntos (ou apenas Jorge os escreve e o outro apenas os digita no computador?). Quem assina e fala sobre eles é Enrique, respondendo aos jornalistas sobre o que é ou não ficção nas obras, sobre as falsas citações, sobre o não-limite entre o conto e o ensaio. Para todos os efeitos, o velho morreu há muitos anos e foi parceiro de outro escritor, Adolfo. Não, é melhor não dizer mais nada. Sérgio Sant’Anna, que morreu neste não-ano, vitimado pelo maldito vírus, escreveu a orelha e inspirou o título do livro. Experimentalista como o autor de um conto chamado “Conto (Não conto)”, Reginaldo Pujol Filho acaba, involuntariamente, recebendo o bastão de maior contista experimental em atividade na nossa Literatura (com L maiúsculo, ok, editor?). Título merecido para quem escreveu um romance com o título Só faltou o título. E tenho não-dito.
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