‘O BAÚ DOS CONTOS DE FADAS’, DE MARISTELA SCHEUER DEVES
Por Gustavo Melo Czekster
Não se pode dizer que 2020 tenha sido um ano ruim para a literatura: em virtude da pandemia, o isolamento social permitiu que muitas pessoas diminuíssem as suas listas de leituras pendentes. Ao mesmo tempo, escritores e escritoras precisaram se reinventar e, como é tradicional em tempos de crise (humanitária, política, de saúde, moral, pode-se colocar a palavra que quiser aqui e estará correta), muitas obras chegaram ao mundo nesse 2020 que preferimos esquecer.
Entre as minhas leituras, destaco “Morte Sul Peste Oeste”, do André Timm, uma narrativa construída com precisão e elegância sobre os dramas dos refugiados (e não seremos todos nós também refugiados de algo?), “Entre outras mil”, da Rochele Bagatini, que apresenta um conflito entre mãe e filha repleto de referências às telenovelas, mostrando o quanto elas fazem parte não só do imaginário, mas também do caráter do povo brasileiro, e “Mensageiros do Limiar”, do Duda Falcão, que traz novamente o Anfitrião contando uma série de histórias rápidas de terror para todos os gostos, mostrando grande criatividade e sintonia com os medos atuais.
No entanto, devo escolher um só e, nesse caso, opto por um livro que li ainda no início do ano e me fascinou: “O baú dos contos de fadas”, da Maristela Scheuer Deves. Existe uma ideia – equivocada – de que a literatura infanto-juvenil é mais fácil de escrever, e só quem sabe a dificuldade que é manter jovens atentos em um livro em um mundo imerso de atrativos tecnológicos sabe o quão difícil é ter sucesso. É ganhar a atenção ou perder o leitor de vez, e o livro da Maristela mostra a importância de contar (ou recontar, ou reinventar) histórias. Guiados pela relação de um avô com a sua neta, mergulhamos em um universo de contos de fadas reinterpretados para o mundo moderno, mostrando que uma história só existe quando se adapta aos novos leitores e, se eles se afastam dos livros, é por que ainda não encontraram a obra que vai dialogar com seus anseios e dúvidas.

