‘OS SUPRIDORES’, DE JOSÉ FALERO

Por Cristiano Fretta

Uma das máximas da criação literária é de que se deve escrever sobre aquilo que se sabe. Não se deve procurar em reinos distantes a nós mesmos a ambientação de nossos enredos, sob a pena de sermos engolidos pelo artificialismo e/ou convencionalismo. Evoco aqui o caso exemplar de José de Alencar e o seu (anti)canônico romance “O Gaúcho”, publicado em 1870. Nesta prosa, a paisagem sulina é representada por meio de uma idealização tão repleta de grandiloquência que por vezes podemos nos questionar se estamos lendo a descrição do mesmo local que décadas mais tarde o genial Simões Lopes Neto situaria suas narrativas.

O escritor precisa, claro, conhecer o contexto que o cerca, pois a vivência e a memória são forças motrizes essenciais para a criação literária. É dessa forma que não conseguimos pensar Machado de Assis sem o Rio de Janeiro, Guimarães Rosa sem o sertão mineiro, Vinícius de Moraes sem Ipanema, James Joyce sem Dublin, Conan Doyle sem Londres, Cortázar sem Buenos Aires.

No caso específico de Porto Alegre, inúmeros foram os escritores que a representaram em sua prosa. Podemos citar, por exemplo, Erico Veríssimo, Dyonélio Machado, Moacyr Scliar, Josué Guimarães e Luiz Antônio de Assis Brasil.  Atualmente Porto Alegre continua servindo de palco para inúmeras obras. É o caso do romance “Os supridores”, de José Falero. A Porto Alegre representada na obra é magnífica justamente porque aborda de forma extremamente verossímil camadas da sociedade que sempre estiveram à margem do horizonte de boa parte da produção canônica gaúcha. O espaço de transcurso das ações é a zona leste da cidade. Nesta ótica, o Centro Histórico e os bairros nobres são a periferia.

Terminada a cativante leitura do romance de estreia de Falero, recaiu sobre os meus ombros todo o peso da consciência do quão privilegiado eu sou: homem, branco, heterossexual, de classe média. Além disso, cresceu a convicção de que, por mais que minha classe seja munida de teorias e mais teorias sobre a Arte e a Socidade, falta-nos algo essencial: a vivência. É muito fácil falarmos de pobreza, racismo e violência quando a racionalidade advém de nossa estabilidade financeira. “Os supridores” é essencial à literatura produzida em Porto Alegre, na medida em que, esquivando-se o máximo que pôde do já usual recurso da metanarrativa tão comum em parte dos nossos escritores contemporâneos, entrega-nos um soco de realidade na boca de nossos estômagos cheios.

Deixemo-nos, portanto, sermos guiados por este eletrizante livro que é “Os supridores”. Impossível é parar de lê-lo. No dia em que terminei a leitura, dirigi pela estrada João de Oliveira Remião, de volta da escola em que leciono Literatura. Mentalmente agradeci Falero por me proporcionar a visão de uma outra Porto Alegre – que na verdade não é “outra”, mas sim a Porto Alegre mais verdade do que as demais, pois é sobre esta cidade, sem idealizações classistas, que existe a verdadeira capital gaúcha. José Falero nos apresenta, portanto, por meio de uma obra ágil e cheia de suspense, reflexões filosóficas e econômicas, a realidade nua e crua e nos diz na cara: “toma aqui esta cidade que tu, branco letrado, não conhece”. Obra essencial na literatura brasileira contemporânea. Obra, sobretudo, de esperança.

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