‘PERFUMES E MOSCAS’, DE ISMAEL SEBBEN

Postado 15 de dezembro de 2020 por Editor

Por Douglas Ceccagno

Em 2020, talvez nenhum livro tenha me acompanhado como Perfumes e moscas, de Ismael Sebben, publicado pela editora Libretos. Num momento em que a literatura do Rio Grande do Sul parece ter abandonado a problemática regional e está mais preocupada com os espaços metropolitanos do país ou do exterior, é uma grata surpresa encontrar, nessa coleção de contos, uma sensibilidade atenta aos conflitos humanos, tanto do ambiente urbano quanto do rural, e nessa mescla de ambientes que são as cidades do interior.

Tratando o leitor com intimidade, numa dicção próxima da crônica, o autor apresenta, com a mesma competência, moradores de um prédio fazendo de tudo para não conviver e irmãos observando as propriedades da mãe, cobiçando a herança antes da morte. O livro também conta com várias personagens marcantes, como um palhaço na chuva, um homem-peixe, ou o curioso Benigno Fin, o fascinante dono de um armazém perto do cemitério, que espera as pessoas morrerem para vender bebida aos enlutados (e aí se tem uma boa demonstração do olhar tragicômico dos narradores).

A publicação surpreende ainda por utilizar graficamente trechos de poemas, tabelas, listas, cores e fontes diversas, e também códigos QR, com os quais pode-se ouvir o próprio escritor, que também é ator, lendo e interpretando os contos. Além disso, a mosca que parece saltar da capa, desenhada por Fabio Valle, se multiplica em vários tamanhos, cores e posições no interior do livro, como a demonstrar que os universos representados são povoados pelos insetos, esse canal simbólico para o primitivo, o instintivo, o precário, presente em várias das narrativas. Ainda assim, apesar das moscas e formigas, o lirismo do autor vai encontrando belezas, alegrias e perfumes em meio às tragédias pessoais de suas personagens. Como Tabajara Ruas comenta no texto da contracapa, Ismael Sebben “concebeu seu livro em época de perseguição raivosa aos criadores com um equilíbrio de combatente veterano”, e o fez com um afortunado e surpreendente livro de estreia.