‘RACISMO RECREATIVO’, DE ADILSON MOREIRA
Por Clara Oliveira
2020. Nem precisa dizer muito: simplesmente não está sendo fácil. Justamente por isso, pensando no fato de esse ano ter sido particularmente conturbado, parece ser ainda mais urgente sugerir leituras que tragam um certo desconforto necessário, que nos lembrem que é imperativo ouvir, refletir e agir. Deixo aqui, então, o convite para a leitura de Racismo recreativo, de Adilson Moreira, professor doutor em Direito pela Universidade de Harvard e um dos cinco finalistas do 62º Prêmio Jabuti na categoria “Ciências Sociais”, com o livro Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica (Editora Contracorrente). Escolhi esse que é um dos títulos da coleção “Feminismos plurais”, organizada pela filósofa Djamila Ribeiro, por ter sido uma das leituras que mais me marcou ao longo do ano – e uma das que mais marquei também: se pudesse, teria sublinhado o livro inteiro.
Ao longo de seis capítulos, Adilson Moreira traça uma rota que parte dos processos de racialização até discussões sobre o racismo recreativo e a liberdade de expressão. Nesse percurso, vemos que o racismo recreativo, esse “[…] projeto de dominação que procura promover a reprodução de relações assimétricas de poder entre grupos raciais por meio de uma política cultural baseada na utilização do humor como expressão e encobrimento de hostilidade racial” (p.148), pode também aumentar as desvantagens sociais e materiais das minorias, causando ainda danos físicos e psíquicos. Com isso, fica evidente que uma piada nem sempre é apenas uma piada.
O uso de estereótipos e estigmas como efeito cômico no humor racista, por exemplo, ilustra esse caráter de projeto do racismo recreativo. Segundo Moreira, “[…] estereótipos negativos presentes em piadas racistas são os mesmos que impedem o acesso a oportunidades profissionais e acadêmicas” (p.82). Sendo assim, a animalização e recorrente associação de corpos negros a vícios, atos violentos, trabalhos braçais e alto desempenho ou desejo sexual impactam diretamente na vida da população negra. Como? Minando as chances de que mulheres e homens negros sejam considerados capazes de ocupar cargos de comando; sejam vistos como possíveis parceiros amorosos, e não só sexuais; sejam reconhecidos por seus trabalhos intelectuais; e tenham respeitabilidade social, fator essencial para que o indivíduo obtenha reconhecimento perante os demais.
Assim, considerando que, para funcionar, o humor requer certas ideias e valores compartilhados – uma piada racista, por exemplo, só funciona caso locutor e interlocutor tenham a mesma opinião racista –, é importante reavaliarmos o que nos faz rir e por que motivo. Ainda mais importante, contudo, é que não nos calemos perante falas ou atos pretensamente cômicos, mas de cunho discriminatório, como a prática do blackface, ainda presente em algumas esquetes “humorísticas”. Mesmo que supostamente “de brincadeira”, tais práticas causam sofrimento psíquico e prejuízos de diversas ordens à população negra, logo não restam dúvidas de que devem ser combatidas. Que esse seja, então, um dos nossos compromissos para esse novo ano que se aproxima.
Leia mais da autora em Escritos da Clara.
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Essa é uma excelente reflexão que despertou- me a vontade de adquirir a obra RACISMO RECREATIVO, de Adilson Moreira. Parabéns por essa resenha! Encomendarei meu exemplar agora mesmo.
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