5 poemas de Marcelo Martins Silva

Ressaca

Quando teus olhos me entram o corpo
E atingem o tumulto dos sonhos
Repousando as coisas pequenas
Que sussurramos
Na cama de lençóis amassados,
É ali, nesse lugar
Que a palavra nasce
Iluminando a hora primeira
De todas as manhãs.

Valentine’s

O amor comeu
o olho direito que eu tinha.
Não fiquei cego – de amor,
só caolho.
Hoje vivo
amores pela metade,
mas canhotos.
antes caolho do
que mal acompanhado

Veranico de inverno

Ajoelhei-me ao coração do pátio, basalto, grama verde e alta.
Matei algumas formigas no gesto. O azul do céu disse-me sim,
e uma parte minha se extinguiu.
Tornei-me coisa que voa, o corpo de arrependimento entrou pra dentro
[da terra.
Descobri outros segredos; o cachorro enterrado que virou limoeiro,
as noites que passei acordado, todas as vezes que desejei secretamente
que alguém morresse – e senti vergonha.
Estava tudo lá e outros bichos cuja face não conheci.
Às vezes o pátio é bom e os joelhos cansados.

De Porto Alegre ao Mar

Pelo seu rosto – sem mentiras,
Pelos pensamentos que vieram do corpo,
Pelos juros da conta do banco,
Pelas palavras silenciadas da viagem à Santa Catarina,
Pelo tijolo vermelho das casas de Albatroz,
Pelo dia em que elas acabaram –
as casas da praia tomadas pela areia e o prazer e o terror e tudo que
[tinha sido.
Por tudo novamente repetido na palavra tudo do verso acima, que ronda, roda e ameaça a vida que o Mar ainda promete.

Movimento das Marés

Decifra-me, é tempo da doença.
O coração segue batendo, não sei
que ideia faz de mim,
que vontade faz da vida.
Hoje bate insônias;
músculo, pouca raiz.
Ouve-se
dentro dele
um Mar.
Vá e veja,
amarre bem os nós.
Volte e veja-me,
talhado em madeira
à beira do cais.

Marcelo Martins Silva (Porto Alegre – RS) é poeta e professor de Língua Portuguesa e Literatura da EJA.  Publicou poesia e contos em revistas como Rusga, Subversa, Mallarmargens e outras.

Criou a oficina “A poesia é um atentado celeste” que fez parte da programação da FestipoaLiterária 2019, foi um dos idealizadores e apresentadores do podcast de poesia Cafuné com Mandinga, junto com a artista Genifer Gerhardt,transmitido pela Mínima FM.

Em 2015 participou da coletânea de poesia Cantos Seletos, publicado pela Editora Literacidade, já em 2019 lançou o livro de poesia O que carrego no ventre, editado pela Figura de Linguagem, finalista do Prêmio AGES Livro do Ano –Edição 2020, categoria Poesia, promovido pela Associação Gaúcha de Escritores. Em 2020, lançou o livro de poesia A Matéria Inacabada das Coisas, pela Editora Diadorim. Em 2021 publicou a novela Mil Manhãs Semelhantes, na Revista Parêntese.

POESIA

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