6 poemas de Ines Lempek
A magia do tempo
Tudo ali
são lembranças
nossas memórias
mergulhadas
uma piscina cheia
de horas
não se esvazia
Lembra daqueles dias
meus olhos
teus olhos
nossos olhos
juntos brilhavam
no infinito congelado
de nossos encontros
No Jardin des Plantes
o corvo de Allan Poe
e orquídeas selvagens
se entrelaçavam
dançarinas de veludo
sobre o gigantesco
tapete verde e úmido
cheiro de cio da manhã
Na sala de estar
dois globos
de vidro transparentes
água escorrendo
cachoeiras vertiam
lágrimas no deserto
o vale árido no peito
No coração
asas renascidas
em pós-modernidade
múltiplas veias
turbinas afinadas
madrugada adentro
Véus e vaidades
mitologia
músculos dúvidas
e coragem
invadiam
labirintos secretos
Teus braços
abertos
no infinito vácuo
meus braços
alongados
o encontro
no meio do caminho
Abraços doces
morangos
com marshmallow
carinhos e nectar
banheira de espumante
suor e borbulhas
absinto e curaçao
alcaçuz
e leite condensado
Testemunhas oculares
salamandras
ondinas
e elfos
Lagartixas
e iguanas
paralisadas
sob a luz do sol
Lembro que David Bowie
não existe mais
mas ainda escuto
sua voz andrógina
ecoando no labirinto.
(jun/2021)

Lágrimas
Ela parecia não estar ali
mas eu fiquei assim mesmo
continuei conversando
na esperança
que ela entrasse
na conversa
no circuito
no jardim
no mundo
ela permanecia imóvel
os olhos sem foco
sem movimento
pousados no infinito
ela continuava ali
mas era como
se não estivesse.
(jun/2021)
Onde foi parar o tempo
A cada passo
uma perda
no rosto
um lacre
na pele
um vazio
no tato
um ziper
na voz
Num esboço
oscila
a força
de uma perna
de um braço
— balanço
Num pensamento
fragmentado
um instrumento
abafado
duzentos acordes
— explosão
A cada passo
um desejo subtraído
um sentir menos
espaço
A vida segue
na bruma
desse tempo
— trafego
Mais um traço
um rascunho
mais um sonho
o dia e a noite
amalgamados
— tateio
Um passo em falso
a rua se dilui
num aguaceiro de almas
rumo ao deserto
empoeirado
A cada passo
um sopro a menos
mais eu passo
mais rápido mais rápido mais rápido
Onde foi parar o tempo?
(mai/2021)

Depois
seguimos flutuando
na maré da vida
onde o fundo é mais fundo
do que foi imaginado
já não há fronteiras
a margem do rio
se expandiu
não há limites
lugares seguros
meras ilusões
além dos portões
brechas, humbrais
luzes desiguais
piscam intermitentes
há portais
difusos, ocasionais
a que horas
de que dia
onde tudo começou
vamos seguindo
luzes, trilhas,
faróis ocasionais
parecem ainda
dar sinais
um atalho,
uma beira de abismo
a ser cruzada
para enfim aparecer
depois de todas as curvas
novo rumo da estrada.

Biscoitos
Já botei as batatas
pra cozinhar
O cara não estava em casa
Senta e toma um café
acabei de passar
Eu tive que esperar por lá
Tem uma torta de maçã
Enquanto esperava, chegou o filho
Saiu do forno agora
Um tipo meio antipático
Quantas colheres de açúcar
Acho que ele não estava a par
Você quer pão para acompanhar
Foi bem complicado
Pegue então uns biscoitos na lata
Nem sei por onde começar
O café está esfriando
hum, tá muito bom
Me conte, como foi lá
Acho que vou querer uns biscoitos.
(Abr/2021)
Ines Lempek é natural de Porto Alegre, morou em São Paulo e Brasilia. Estudou Psicologia na UFRGS, e especialização em Psicanálise e Cultura na UnB. Participou de oficinas de escrita criativa, publicou em antologias, revistas literárias e blogs, com poemas, haicais e historias curtas. Lançou em 2019 o 1° livro solo de poemas O Avesso do Clima, pela Editora Bestiario.

Inês Lempek tem a capacidade em suas poesias de tornar introspectivos sentimentos/emoções aparentemente universais.
Todos nós os temos, mas nos versos escritos por Inês o universo se indidualiza de tal modo que nos faz sentir sua mensagem como interpretação única e especial.
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