De ‘AS PARTES NUAS’ de Claudia Schroeder

um poeta não é capaz de suturar
o coração de uma criança

as mãos tremerão
deixando buracos
vai sangrar o peito mais
do que o protocolo permite

um poeta não conserta
o trauma
de estar vivo

meu corpo vai
passando pelo teu
quase sem encostar a pele
areia fina em mão etreaberta
formigas a ponto de morrer
debaixo de passos humanos na calçada

permaneço imóvel
para que vejas como
meu corpo se comporta
vez em quando quebro o silêncio
que os ossos emitem
com tímidos e tristes te amo já

de mentira

sobre a cama
brinquedos desmontáveis
e um corpo perfeitamente formado

uma pequena luz sempre acesa
espanta o contrário do amor

hálito leitoso de um
bocejo de bom dia
pewndurado em meu pescoço

nas fronhas coloridas
um fio de cachinho cheio
de um conhecido DNA

esse amor tão mais sereno
parte de meu corpo
me parte o peito quando levanta
e vai para a vida

foram tantos relacionamentos sem nome
que a conta perdi

tanto corpo entrando no meu
cheiros insuportáveis
gostos que não me agradavam
atitudes esquivas
ou famintas demais

mãos segurando mole minhas carnes
pesos de tórax sufocando o meu respirar

gente passando dedos nos meus cabelos despenteados
em um arrancar dolorido de fios

e eu minimamente coerente
ao menos
de amor não os chamava

(sem título) (inédito)

eu tenho muitas dúvidas não sei

porque o motor da geladeira faz esses barulhos
sem uma sequência lógica
qual máscara ideal para os bailes
e agora para todos os dias
aquela mulher realmente pensa o que me escreveu
aquele que se cala só tem a mim o silêncio
a panela de ferro segue sendo a melhor
para os sabores

a esterilidade é castigo ou apenas
imperfeição humana
todos os homens se assustaram na primeira
ejaculação
a última menstruação foi lamentada pela esmagadora maioria das mulheres

e se
quando o meu filho crescer ele vai lembrar do meu rosto em poucas rugas
as rugas deste ano estão diferentes dos anos anteriores
a vela vai durar até o final deste jantar
[falamos tanto que perdemos ponteiros vinhos e ceras]

e quando você disse que não me perderia pela segunda vez
era a sua grande promessa
e se era por que

(Maio 2021)

Claudia Schroeder nasceu em 1973, em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. É formada em Publicidade e Propaganda pela PUCRS e desde 2014 dirige sua agência de estratégia criativa. Publicou o livro de poemas Leia-me Toda (Dublinense, 2010), participou da coletânea A Poesia é para Comer (Babel, 2011) entre outras, lançou o livro infantil A Menina que descobriu o sol (Kazuá, 2018) e acaba de lançar As Partes nuas (Francisco Alves).

POESIA

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