De ‘CARTA ABERTA AO DEMÔNIO’, de Ricardo Silvestrin
RONDÓ DO DESAMPARO (p. 54-56)
1
Este peso de saber
que cada hora é derradeira
nenhum humano suporta.
Teria que assumir um ar
demasiadamente grave
como se fosse parente
dos elefantes e não
das aves, das borboletas.
Deus salve a ignorância
sobre o tempo de cada um.
2
Prever rotas do destino
é um risco para humanos,
já sabiam bem os gregos.
Édipo Rei, que vivia
sem ser cego e nada via,
quando viu, furou os olhos.
Ao contrário de Tirésias,
que era cego como o dia.
Deus salve a ignorância
do futuro de cada um.
3
Escolher o desamparo
dói demais em cada humano,
mas a dor é liberdade.
Mesmo que algum deus se esconda
na linguagem: “deus do céu”,
“deus nos defenda”, “faz pelo
sinal da cruz”, “credo em cruz!” –
palavras sem salvação.
Deus nos livre de qualquer
deus que seja de verdade.
Ricardo Silvestrin é escritor, compositor e mestre em Literatura pela UFRGS. Antes de Carta aberta ao Demônio, lançou os livros de poesia Sobre o que, Prêt-à-porter, Typographo, Metal, Adversos, Advogado do diabo, O menos vendido, ex,Peri,mental, Palavra mágica, Bashô um santo em mim, Quase eu e Viagem dos olhos. Na prosa, Play,contos, e O videogame do rei, romance. Entre seus livros para crianças, destacam-se É tudo invenção e Pequenas observações sobre a vida em outros planetas. Na música, lançou o álbum Silvestream. Recebeu por cinco vezes o Prêmio Açorianos de Literatura (três delas enquanto autor, uma pela editora Ameopoema e outra como destaque de mídia pelo programa na rádio Ipanema FM – Transmissão de Pensamento).
