De ‘E FOMOS SER GAUCHE NA VIDA’, de Lelei Teixeira

Pouco depois da morte da mãe, participei como palestrante do Seminário Mídia & Deficiência, a convite da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Foi nesse encontro, em 27 de julho de 2011, a minha primeira fala pública sobre nanismo para um auditório praticamente lotado. Kixi e Flavia estavam na plateia. E vê-las ali me deu uma tranquilidade incrível. Marlene me ajudou a preparar o texto e comentou, entusiasmada, que estava nascendo o nosso livro. Na escrita, partimos da nossa experiência para chegar às inquietações que cercam a vida de pessoas que têm uma deficiência.

Abri minha fala com uma pergunta: “Como tratar de tema tão delicado, evitando cair na vitimização, no paternalismo, no heroísmo, no fetiche, no clichê, no estereótipo?”. E segui: “Falar com serenidade das dificuldades do dia a dia – e elas existem! –, encarar a diferença e a repercussão dessa diferença no meio em que vivemos não é tarefa fácil. Mas é tarefa necessária, imprescindível nesses tempos em que tanto se discursa pela inclusão, acessibilidade, diferença, pluralidade”. A repercussão foi surpreendente! E desse dia em diante assumi o compromisso de tornar público o que pensávamos sobre nanismo, diversidade, inclusão e preconceito.

Paralelamente às perdas que tivemos e às minhas novas determinações, a vida se renovava de um jeito lindo, e a família crescia.

No dia 7 de setembro de 2011, nasceram os gêmeos, Arthur e Eduardo, filhos do Cassiano, nosso sobrinho mais velho, e da Cláudia Cabral, companheira dele. Prematuros. Apreensão total. E lá estávamos – Mariza, Renato, Marlene e eu – mais uma vez com o coração nas mãos. Mais tarde, chegaram a Kixi e o Zé. Depois Rui e Eduarda, Lucas e Diego. A irmandade unida novamente. Vivemos um período de UTI neonatal longo, difícil, sofrido, mas sempre cheio de esperança. E festejamos muito cada fase da evolução dos nossos pequenos.

Mais ou menos por essa época, Marlene recebeu um veredito inesperado. “Metástase de carcinoma proveniente da mama”. Quimioterapia? Hormonoterapia? O que viria dessa vez? Ela me avisou por telefone, atônita, enquanto encaminhava o exame necessário no Hospital Santa Rita. Respirei muito mal até Marlene entrar em casa e conversarmos olho no olho. Em seguida, começou o tratamento – hormonoterapia, injeções mensais. E o ano acabou bem. Tínhamos dois lindos gêmeos, que se recuperavam incrivelmente. Tamar Matsafi, nossa querida amiga fotógrafa de Tel Aviv/Israel, veio nos visitar. E Freddy Ortiz, o irmão que a vida nos deu, Rita Chagas, que casou com ele e virou irmã também, e a neta Luz, filha da Manhã, nossa sobrinha, como já falei, vieram de Salvador/Bahia para passar o Natal com a gente. Foi um período de fortes emoções e alegrias, com direito a belas aventuras pelo Natal Luz de Gramado, que Luz adorou.

(Trecho da página 85 do livro)


Sobre o livro

E fomos ser gauche na vida (Pubblicato Editora, 2020), da jornalista gaúcha Lelei Teixeira, é um livro que nasceu da falta e do desejo de falar sobre nanismo, acessibilidade, inclusão e discriminação, projeto antigo da autora e da irmã Marlene Teixeira, que morreu em abril de 2015. A escrita traz uma reflexão sobre o preconceito que esta condição física provoca a partir de experiências pessoais e profissionais diversificadas como a delas, uma professora e a outra jornalista.   

Com a morte de Marlene, Lelei ficou sozinha com este desejo e durante um ano não produziu nada. Só em abril de 2016 criou coragem para voltar ao projeto. Começou com o blog Isso não é comum no portal Sul21, o que fez até agosto de 2020. Nesses quase quatro anos, reuniu fragmentos da trajetória dela e da irmã e o livro foi tomando forma. A publicação nasceu especialmente da vontade de compartilhar com as pessoas o que elas viveram intensamente desde o princípio, reafirmando que a luta contra o preconceito é justa e cada vez mais necessária, especialmente nestes tempos obscuros que vivemos hoje no Brasil.

“É indiscutível que o preconceito ganhou outras nuances e tornou-se ainda mais violento em todos os sentidos. Basta observar o que acontece no Brasil e no mundo com negros, com a população LGBT+, com os índios, com pessoas que apresentam um comportamento diferente do padronizado por uma sociedade normativa, focada no senso comum”, afirma Lelei. Acabou sendo um livro feito a duas mãos, mas pensado para quatro, que traz também textos do blog Isso não é comum, hoje no endereço https://giraconteudo.com.br/blog/, e textos de alunos e contemporâneos da Marlene na Unisinos/Universidade do Vale do Rio dos Sinos, onde deu aulas no Mestrado e no Doutorado. Muito do que ela conta no livro, foi pensado e articulado coletivamente porque as duas tinham o hábito de interferir naturalmente uma no texto da outra.

Lançada no final de dezembro de 2020, a publicação teve uma repercussão surpreendente, ganhou uma segunda edição e está sendo solicitada por instituições que trabalham com inclusão e acessibilidade no Brasil. “Jamais imaginei que a minha escrita fosse tocar tanto as pessoas e abrir tantas portas”, afirma a autora.

Lelei Teixeira é formada em jornalismo, trabalhou em vários veículos de comunicação de Porto Alegre. Já coordenou a produção e edição de livros e integrou a equipe que revisou o Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, de Aldyr Garcia Schlee. Fez assessoria de imprensa da Feira do Livro de Porto Alegre e do Festival de Cinema de Gramado. Participou da produção e divulgação do Projeto The Food of Love, as músicas do teatro shakespeariano, do Duo Abreu&Spinelli e do Projeto Memórias de São Francisco de Paula. Assina o blog Isso não é comum https://giraconteudo.com.br/blog/. Nasceu em Jaquirana e mora em Porto Alegre. Em dezembro de 2020, lançou “E fomos ser gauche na vida” (Pubblicato Editora), livro que fala de preconceito, nanismo, diferença e inclusão – “uma maneira de reafirmar a luta contra a discriminação e a possibilidade de relações mais humanas, com empatia e o olhar para o outro”.

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