De ‘QUATRO MULHERES’, de Neusa Demartini
Vânia tinha certeza de que nunca seria uma companheira principal, como Yolanda, e nem uma amante sofisticada como Heike. Esposa, como Marta, nem pensar! Agora estavam todas as mulheres do patrão ali, no seu velório e cremação. Os filhos sabiam delas, de cada uma e do tipo de relação com o Desembargador. Mas não sabiam que o pai também tinha relação com ela, a empregada. Todas choravam a morte de Afrânio. Inclusive ela, mas tinha que exteriorizar somente a perda do patrão, tão bom que tinha sido, um homem sério e generoso, apesar de não ser um crente em Deus.
Enquanto escutava uma daquelas músicas tristes que o Desembargador gostava de ouvir em suas tardes solitárias, Vânia lembrava de como tinha arriscado o seu próprio casamento com Manuel, caso o marido viesse a descobrir que ela, em pelo menos dois dias da semana, deitava-se e sesteava com ele. Isto, após lavar a louça do almoço que lhe servia sempre na sala de jantar, a mesa arrumada com esmero e ensinada, por ele mesmo, a colocar os talheres que necessitaria, o guardanapo de tecido (odiava os de papel) que lhe dava tanto trabalho para manter alvejado e engomado e a louça de porcelana inglesa que recebera de casamento dos pais quando casou-se com Dona Marta. Nunca fora convidada a comer com ele, pensou entristecida, pois seu almoço ela fazia depois, sozinha, na cozinha. Logo que encerravam o sexo, tomava sua ducha nas dependências de empregada, e ia embora.
Eu vivi em pecado com ele durante tantos anos! Vânia sussurrou para si mesma, correndo o risco de que Yolanda, ao seu lado, a escutasse. Se ele quisesse ter casado comigo, eu largaria o Manuel sim, e me dedicaria a cuidar dele. Poderia ter sido a esposa, mas ele jamais me daria esta chance. Um homem estudado como ele, não queria ter uma mulher tão ignorante como eu.
– Posso deitar, Desembargador?
– Venha, minha abelhinha operária, venha!
Em contraponto, Heike, que jantava com ele, nunca se deitou na sua cama. Isto fazia com que Vânia se sentisse compensada. Ela sim, deitava na cama de Afrânio, e nunca fizera sexo mal acomodada no sofá da sala, como presumia que o casal fizesse nas quartas feiras à noite. O sexo com o patrão, pensava, era tão diferente daquele que fazia com Manuel. Afrânio a mandava tirar toda a roupa, e entrar na cama completamente nua. A princípio envergonhava-se pois, como o marido, jamais tirara a camisola. Mas como era gostoso sua mão nos seus pés, percorrendo as pernas, subindo pelas coxas e acariciando sua vagina enquanto ela gemia ou dava gritinhos de prazer.
– Pecado, pecado, pecado!
Quase histérica, a mulher pensava em tudo o que tinha feito na cama com Afrânio e dizia, em silêncio para si mesma, que teria o castigo de Deus se não se arrependesse de ter sido usada como uma mulher da vida.
Vânia sabia que pecava, mas não saia do pecado. Perdera a vontade própria. Era bom demais pecar com o patrão.
(…)
Neusa Demartini nasceu em Porto Alegre (1946). Jornalista, formada pela UFRGS, realizou doutorado em Comunicação pela Universidade Complutense de Madrid. Dedica-se à literatura desde muito jovem, tendo já vasta obra acadêmica na área da Comunicação Política. Aposentada como docente da UFSM, UFRGS e PUCRS, já recebeu duas indicações para o Prêmio Açorianos. Na narrativa longa publicou Vozes da Ancestralidade (Ed. Metamorfose), Quatro Mulheres (Ed.ClassBestiário). (neusademartini@gmail.com)
