TERESA ESTAVA MUITO CANSADA, por Eloar Guazzelli

Teresa estava cansada muito cansada. A casa tinha sido ocupada nos últimos dias e não existia um só lugar que não houvesse sido devassado por visitantes. O ritmo das tosses marcava o compasso das intermináveis horas de espera. Moribundos são assim, tem o espetáculo anunciado, marcham direto para o desfecho, mas adoram saborear o domínio da situação e tal chefe de seção nos fazem esperar longas horas nos sofás da espera. Então as gentes fumam e conversam e suspiram e temem o seu momento que deverá chegar um dia se deus quiser daqui a muito tempo. E no olho do furacão Teresa disfarça o cansaço e distribui géneros e ditados e se movimenta o tempo todo nao sem ostentar o papel de capitão do navio seguro da rota e lá vai Teresa providenciar mais café e cuidados para todos. Em momentos estratégicos ela exerce o supremo direito de entrar no aposento onde Rui Mauro se esvai lentamente quase virado em sopro mas que teimosamente se mantém preso ao lado de cá com seus grandes olhos agora maiores do que tudo já prestes a conhecer toda a verdade ou cinco por cento que dá no mesmo. Ainda faz sinais e com muito esforço podera dizer algo importante e por isso Teresa não se permite ficar longe muito tempo a menina está de olhos bem atentos mas não é bom confiar nos outros mesmo que seja nessa menina velha que cumpre todas as coisas  pedidas como se fossem um ritual sagrado e agora tem barulho demais na sala, será que esta gente perdeu a noção das coisas deve ser por causa da tv que deixa todo mundo louco onde é que já se viu o respeito numa hora dessas e daqui a pouco eu volto mas pelo amor de deus avisa qualquer alteração com o doente e lá vai Teresa mais cansada ainda disfarçar seu cansaço em eficiência e nobreza de espírito. Rui Mauro acompanha tudo como se fosse no cinema, como se tivesse bebido muito e ido ao cinema, com um pouco de febre também e então os personagens e ambiente mudam o tempo todo e tudo parece confuso demais a princípio mas o tempo passa e  gente vai acostumando e até gosta e seria de rir saber que estar moribundo não é tão ruim assim apesar de ser o fim. O pensamento compensa a inércia do corpo e já ensaia a liberdade da alma e voa e voa cada vez mais alto e longe, brincando de visitar pessoas e lugares já muito remotos, quase improváveis e a medida que assume o controle da nova situação Rui Mauro se diverte misturando personagens da infância, velhos romances e parentes queridos numa ciranda cada vez mais alucinada e que contraste com o corpo pálido, desfeito em suor e miasmas, a pele convertida em cera mergulhada nos vapores de um quarto mortuário e aquela menina velha pavorosa que é melhor não ver com seu olhos fixos encarnados na missão de assinalar a hora final da passagem e onde diabos afinal anda teresa que é a única coisa boa do lado de fora desta minha morte tão comprida e ,quando nao da pra brincar, tão chata. Meu deus alguém podia abrir a janela e despachar esta menina velha para Manaus ai…Teresa onde você anda. E Teresa agora recebe mais gente e comanda novos grupos com a cabeça dentro do quarto vigiando e esperando se Rui precisar algo e entao sente uma campainha chamar com desespero e tudo ao redor congela e devera correr para o quarto onde Rui agora faz um esforço muito grande porque seu vooo foi interrompido por uma necessidade urgente de fazer um pedido e um medo enorme de nao conseguir mais falar- afinal quanto tempo faz da ultima vez?- justo agora que seria fundamental e meu deus nao permita que eu parta sem deixar  algo tao importante sem resolver e por favor venham palavras minhas ultimas palavras nao me faltem pelo amor de deus e venha voce teresa também que nao a de ser pra esta menina velha horrorosa que eu vou deixar este pedido crucial  e peloamor de deus teresa entendeu o chamado deve ser porque o clima da casa criou uma enorme energia estatica e cruzando e pensando assim os ares densos da casa Teresa entrou no quarto que já era quase só o olhar gigantesco do Rui Mauro que pedia sua proximidade e mal deu tempo pra expulsar a meninavelha pra sala que a morte como o defecar devem ser intimos e encostou o rosto na mascara do Rui que num esforço de trem subindo montanha mal pode dizer: Pelo amor… Deus não deixa…..hipótese………………………………………………..não …. caso
algum……………..num arranque então… quase num grito com o volume no mínimo –  não deixa de jeito nenhum o Monza nas mãos do Adilson!!!   e olhou com os olhos imensos pro nada onde sentava um minuto atrás a menina velha horrorosa.

Eloar Guzzelli nasceu em Vacaria, Rio Grande do Sul, em 1962. Artista plástico, quadrinista, roteirista e diretor de arte para animação, é formado pelo Instituto de Artes da UFRGS e mestre pela ECA – USP. Recebeu inúmeras premiações em todo o Brasil e participou de exposições em mais de quinze países.

FICÇÃO

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