De ‘CASA 11, TELEFONE 09’, de Nydia Bonetti

manhã de sol —
outros meninos brincam
no rio que era meu

o fim das coisas parece
mesmo ser
como um rio
que sempre termina onde
começa
outro rio (ou mar)
tudo parece recomeçar

raso e manso, o rio da infância
agora transborda /enverga as amoreiras
destrói o asfalto que não havia
arranca pela raiz as velhas mangueiras
decepa os lírios brancos
talvez para sempre
é findo o tempo da doçura e da inocência
águas barrentas — fúria

*

perto de mim flui, generoso o rio
todos mergulham, ou
molham as pontas
dos pés só os meus sempre secos

havia um rio na minha infância
ainda há
corre lento agora
posso ouvi-lo cantar
segredos
que já não podemos decifrar
e quando eu já não for
ele ainda será. até
que o sol esfrie — ou arrebente

a pele do rio ainda é fina
o sapo não sabe
que é feio
coruja não sabe
que assusta
paca tatu bugio cotia
jaguatirica
viraram lenda /carcaças
na memória da terra

este rio, não é apenas um rio
é um porta-retratos

carrega meus olhos

Nydia Bonetti, 1958, engenheira civil. Escrevo para não enlouquecer — mais. Livros publicados: SUMI-Ê (2013), Editora Patuá; De Barro e Pedra (2017), Editora Urutau; Antologia Desvio para o vermelho (Treze poetas brasileiros contemporâneos) Coleção Poesia Viva/CCSP; Minimus Cantus, Projeto Instante Estante/Castelinho Edições; Tem poemas publicados na Revista Zunái, Mallarmargens, Germina e outras. Publicada na coletânea QASAÊD ILA FALASTIN (Poemas para Palestina/Selo ZUNAI, 80 balas, 80 poemas%20, e antologias diversas. Blog: http://nydiabonetti.blogspot.com/

POESIA

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