De ‘LUGARES QUE ESPERAM’, de Suzana Pagot
Ausência
Mesmo que não saibas
a cidade ficou diferente
um tom a mais ou a menos
no colorido de repente
No meu café
pingo duas ou três gotas de tristeza
costume largo
para que não penses
que-em-teu-ocaso-esqueci-de-tuas-mãos-nas-minhas
Corro para te contar as novidades
bobagem
andas por outras paragens
Na ausência, o hábito faca e fel
ensina que a vida é árvore no vento
não há como fincar raízes em tempestades.
No teu ato final, o mundo não parou, chorei
Sobre a mesa um bule de café ausente
A chaleira fria no fogão insente
O cigarro mudo
O fósforo abatido
A rua suspira aborrecida
sem o toc-toc dos teus sapatos
A melancolia ficou sem lar
A gargalhada, sem boca
Os conselhos, órfãos
O universo que continha
Inerte
Apenas canto e o instante não mais existe…
Insurgências
Tarda aquilo que espero
Perdi dos relógios os ponteiros.
O tempo, inimigo confesso,
Em descoberta fraude de feiticeiro,
Enfurece.
Minha soçobrada memória trai
Em qualquer rasgo errante
O tempo que se disfarça, pecai.
Com a pena denuncio a caótica notícia
Do tempo que não chega, não basta, não muda,
Rouba a flor, mata a semente, amamenta a morte.
Tarda aquilo que espero.
Distopias
Há lugares que esperam
Qualquer sapato, chinelo,
Sussurro, rumor ou alvoroço
De humanidade.
Há lugares que esperam
Silenciosos e submissos
À terrosa temporalidade.
Há lugares que esperam
Resignados, suspiram
Diante da avassaladora
E iminente imutabilidade.
Há lugares que esperam.
Suzana Pagot é natural de Caxias do Sul, é escritora, poeta e leitora inquieta. Dra. em Literatura (UFRGS), pesquisa sobre literatura contemporânea, com paixão especial pela poesia. Publica resenhas e artigos acadêmicos em livros, periódicos nacionais e internacionais. Professora por duas décadas na Universidade de Caxias do Sul (UCS), dedica-se, atualmente, à escrita criativa, à análise crítica da escrita de textos literários e à produção literária. Escritora estreante nos gêneros poesia e conto.
