EXISTE LIVRO COMESTÍVEL, por Joselma Noal
Olivetti Lettera 32, de Carolina Panta, editado pela Zouk, em 2021, tem na capa o cartão de visitas perfeito com os bonecos criados pela artista Ana Clara Lacerda. Os tons remetem a uma foto antiga com um toque nostálgico. A ausência de um rosto, o sentido horizontal do corpo e a continuidade das pernas na contracapa dizem muito sobre o que leitor irá encontrar: uma trama original, surpreendente, instigante que é narrada assim aos pedaços.
Já a dedicatória, que não está assim nomeada, marca o amor entre neta e avó, frequente laço que nada desfaz. Com a epígrafe de Wislawa Szymborska, Carolina declara como concebe a escrita literária que também é tema do romance.
O título Olivetti Lettera 32 destaca o objeto que entrelaça a história das três personagens, em diferentes épocas de Porto Alegre. Carolina apresenta uma pesquisa histórica primorosa que nos faz viajar por diferentes bairros da capital. Três mulheres: Diva, Eleonora, Maria Luíza, enlaçadas pela leitura e pela escrita. Cada um lutando a seu modo por se manter íntegra, viva, na luta por ser feliz, com amores e desilusões, com segredos e revelações. Mulheres que vão amadurecendo, aprendendo a se constituir como mulheres, como nos disse Simone de Beauvoir: Não se nasce mulher, torna-se mulher.
O livro é recheado pelas relações familiares e amorosas, pelas desavenças e pelas reconciliações. Os diferentes comportamentos e posturas das diferentes etnias estão muito marcados na obra. O livro inicia com a chegada dos imigrantes italianos a Porto Alegre e me fizeram lembrar muito da minha história familiar. Como a identificação é fundamental na recepção da obra, fui fisgada já nas primeiras linhas.
A escrita da Carolina Panta prende, fascina, enfeitiça o leitor. Me fez lembrar da Isabel Allende pelo texto fluente, bem narrado e amarrado, com capítulos que finalizam abertos, empurrando o leitor ao próximo. Folhei as páginas do Olivetti Lettera 32 com voracidade, com o desejo de chegar logo até a página final com aquela pergunta intrigante: como será que a história vai terminar? E ao ler a última frase fui tomada por uma tristeza de abandonar as personagens e uma vontade danada de reler tudo de novo como fazem as crianças com as histórias infantis.
E, sim, existe livro comestível. Olivetti Lettera 32: eis um livro para ser devorado e degustado.
Joselma Noal é porto-alegrense, Doutora em Letras, Professora da FURG, tradutora pública juramentada, autora de Minis de Quarentena – Editora Libertinagem, Duzentos– Editora Kazuá, Aroma Hortelã – Editora Movimento Publicou dois romances em co-autoria: Condomínio Saint-Hilaire e Ventania, sendo o último Livro premiado pela Lei do Livro Rio Grande em 2020, escrito pelos Escritores de Quinta, grupo que coordena desde 2016.
