GIM COM CRÔNICA: UMA TEMPESTADE EM COPO DE CERVEJA, por André Martins
A primeira temporada durou um ano, mais ou menos, e a gente bebia quase toda a receita, até porque parte dela não precisava ser convertida do estado sólido do papel-moeda, ela já nos aguardava liquefeita nos vasilhames que pagavam espaços publicitários.
O estado sólido do papel-moeda é força de expressão. Se não me falhe a memória, já tão fatigada quanto as retinas, o Gim com Crônica foi criado no ano de 1987.
Esse ano integra um período que pode ser comparado a uma longa ressaca: depois do amplo e contagiante porre cívico que foi o movimento das Diretas Já, que enterrou de vez – aquela – ditadura, você acorda e dá de cara com um vice-presidente no lugar do presidente – golpe do destino, não do Congresso – eleito por meio de voto indireto, que não conseguiu assumir pelo simples fato de que bateu as botas.
Resumo da época: era de cravar. Planos e mais planos, brasileiros e brasileiras, vice-presidente-presidente filhote da ditadura e metido a poeta, a figura patética dos fiscais do dito cujo querendo segurar os preços, cruzados e cruzados novos e, finalmente, a famigerada inflação devorando as patacas da patuleia e enchendo de dinheiro as burras dos magnatas de sempre, muitos deles devotos do over night, no qual se ganhava dinheiro da noite pro dia. Ou seja, dormindo.
Mas o assunto do jornal não era essa burundanga toda de forma direta, explícita, reportada. O jornal era um “jornal”. A realidade era uma coisa chata, a ser evitada, fosse bebendo ou escrevendo.
A ideia mesma da coisa toda era fazer humor, vá lá, com pitadas literárias. Como nenhum dos membros do jornal era exatamente um humorista ou literato propriamente dito, fazíamos deboche, que é uma forma menos apurada de tentar fazer rir.

Havia um setor do jornal que queria publicar coisas sérias, o que até chegou a acontecer, ocasionalmente, mas fazer pose de jornalista não era o barato. A vã literatura vã apetecia mais.
A linha editorial acabou sendo essa: fazer pra ver no que dá. Mal comparando, era como uma banda de rock daquelas em que ninguém sabe tocar nada, algo meio punk, só que sem coturno, roupa preta, tatoo, piercing e cabelo espetado. Era um punk em espírito, mental, não físico.
Redação, edição e arte-final eram com a gente, tudo na mão. Computador naquele tempo não dá nem pra explicar o que era, porque não conhecíamos. E nem bebendo conseguiríamos imaginar que já estava acontecendo a criação de uma supervia de computadores de dimensões globais, esta tal de internet. Na sequência vinham o fotolito, a impressão e a plastificação. E tudo voltava para distribuirmos nos botecos.
(continua um dia…)
André Martins é publicitário, editor e redator do periódico on-line O Bah.