4 poemas de Mariana Artigas
John Coltrane
pronuncio teu nome, cravando sete relâmpagos
nas tuas costas,
pronuncio teu nome gemendo na cama
de um outro alguém, em uma conversa casual
digo que acho teu nome bonito.
j o h n c o l t r a n e ecoa e ecoa pelo apartamento
q u a t r o ou c i n c o espasmos
aguardo a bruma se dissipar e ouço nina simone
sinto frio e calço meus sapatos
i put spell on you cause you’re mine
ainda sentirei meu gosto cravado nos lábios dele
e retornarei às avessas. rompendo este estranho silêncio
que corre entre nós, meu bem o deserto do saara se estendeu
e n t r e n ó s d o i s.
escute os raios e trovões meu bem
estou nua presa a estes lençóis, a esta cama.
o mar está em meu nome. encontro-me imóvel escrevendo,
e s c r e v e n d o sobre john coltrane.
saiba que estarei aqui, neste mesmo lugar, imóvel
d e s p e j a n d o um punhado de neve sobre os teus olhos,
adequando tua ossatura, tanto à guerra como à paz.

Amy Winehouse
desmancho alguns nós de meus cabelos e
derramo-me lentamente sobre esta faca
que amola os meus pensamentos
raios e trovões percorrem meu corpo.
meu nome versa sobre uma consciência submersa.
enquanto vou me esgueirando pelos corredores
os ladrilhos deste chão desaparecem debaixo dos meus pés.
um a um, d e s a p a r e c e n d o s u m i n d o i n do
estou perdendo a consciência. estou perdendo a consciência.
há meses que não escrevo, convulsionando buscando
e buscando resquícios de inspiração
inúmeras pilhas de livros, inúmeras pilhas de roupas.
de inspiração, a cama está desfeita.
somos duas ilhas, i n u n d a d a s em tristeza.

Sinfonia composta pela chuva
meus batimentos cardíacos
movem-se ritmicamente
dentro do meu peito
sussurrando profecias
e selando segredos.
a literatura de lispector
recai como um raio
sobre as ondulações
do meu pensamento.
há muito tempo, amor
estive à procura de poesia
em páginas vazias.
ao decorrer das horas
meus cabelos esverdeados
escavam frestas dentre
a fumaça de incenso.
a hora da estrela
sagra um sopro de vida
dentre um blues e outro,
enquanto macabéa tece sutilmente
a sinfonia oracular de seu canto,
vislumbro, vislumbro e vislumbro
a pele úmida da serpente
que guarda o meu pranto.

Circe
tragada pelo silêncio
fui engolida pela fragilidade
indestrutível
das palavras que insistem
em permanecer comigo
até mais tarde.
neste mar etéreo
de composições.
decomponho então palavras
de amor e tradição
nesta máquina de moer
lágrimas e feitiços.
ulisses, a lua negra atormentará
teus pensamentos
noite e dia incessantemente,
sussurrando palavras abarrotadas
de terror e morte.
ulisses, para cada canto de amor
proferido,
cem cães, assim como inúmeras sereias,
estarão prostradas aos teus pés,
e mastigarão teus ossos,
tuas vísceras e sonhos.
permanecerão então aflitas as serias,
alimentando-se para sempre
de horror e glória.
Mariana Artigas é curitibana. É atriz, formada pelo Colégio Estadual do Paraná e graduanda em Letras Português-Inglês pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É poeta e revisora. Desenvolve trabalhos com poesia e fotografia, investigando o sensível, o feminismo. Colaborou com diversas revistas de poesia, nacionais e internacionais. É autora do livro “Ossatura Sutil” publicado pela Editora Urutau.
