5 poemas de Sammis Reachers
CARTA AO CAFÉ
Café aroma de lar
Ritual, despedida de quem vai,
Abraço a quem retorna
Coffea arábica, Coffea canephora,
Coffea liberica, Coffea dewevrei
E as raças secretas de café
Cremes, bolos, infusões
Drinks, balas, canapés
Reversa marihuana
De santos, céticos e sahibs
Aqueduto tônico odoropulsante
Odoropulsar:
Café cuspidor de estrelas,
Regurgitador de luzes
Festim fenomenológico
Reserva moral da literatura
Sol do leite, do creme, do rum
Sol para tantas pressurosas luas
Centro da galáxia
Inimigo do deus do sono Oneiros,
Adversário do deus de gelo Ymir
Multilíngue deus de ébano & trópico
Licor laboral
Elixir de trevas luminosas
Rubro fruto de a noroeste
Do Eufrates e do Tigre
Último pomo a escapar do Paraíso
Antes de seu traslado
De volta ao seio de Deus
Orfeu negro, liquefeita
Cítara
Poema em estado tênsil
Combustível dos Napoleões
Comburente dos Quixotes
Aumente a pressão sanguínea
De nossas ideias,
Aqueça nossa tumultuosa
Solidão campestre ou citadina

CARTA AO LIVRO DE BOLSO
Adolescido tomo
lanterna dos afogados
paraninfo da literatura
rancho da tropa, democrática
classe econômica
talismã, lítero muiraquitã iniciático
sustentáculo dos sebos, colecionário
de ceitils, centavos e xelins
Ingresso de matinê
na nau de Stevenson, na floresta
de London
na faiscante Paris espachim e amante
dos Dumas
condensário das imensidões
de Moby Dick ao pai Quixote
dramas d’antanho em prosa e papel jornal
poemas seletos lidos com lenta pressa
enquanto sacoleja o bonde ou o busão
lâmpada de celulose que exulta
na cama de solteiro do quartinho dos fundos
tanto te devemos, fiador dos desamparados
bengala dos moços, livro de bolso
(do livro Cartas e Retornos)

PEDAGOGIA
Atente e veja:
um fim
sempre tem lado avesso.
Ou seja:
um fim
nunca deixa de ser um começo.
Materializando
Um tropeço:
o que pro teu pé
é impedimento
pro resto da carcaça
é arremesso.
(do livro Pulsátil: Poemas canhestros & prosas ambidestras)

TÚPAC AMARU
“Túpac Amaru, sol vencido,
tua glória desgarrada
sabe como o céu no mar
uma luz desaparecida.”
Pablo Neruda, Canto Geral
Neruda, cicatrizes nas alamedas de quartzo,
Um funeral nas pétalas
Funeral de insetos tugidos nas pétalas
Da flor de turmalina da árvore da vida
Sephirot
Tepidez, trovão, máscaras araucárias
Neruda, nunca beijei uma colombiana, quando
Prestes afogaram-me no Amazonas,
Meu obscuro Nilo
Eles vão sair, vão à missa na matriz
Formam um lindo casal
Como a noite e o punhal
Interpolação de asas, secreto voo,
Queda, Neruda, Neruda,
.
Pirata espanhol, pirata francês,
Duro pirata inglês
Pirata português e holandês
Queria dar-vos a morte
Em vosso berço, abrir
Com meu punhal noturno
Os ventres purulentos de tuas raparigas de leite
Romper o telhado sombreado
De vossas casas maternas
Mas são vocês que matam-nos em nosso berço de palha,
Vocês vêm para transformar-nos em Adão.
Neruda, Neruda,
Hoje eu planto coca
Para alinhavar a sanha dos piratas:
Vingo-nos sem alabardas:
Empalo
Seus sonhos em pedras
E linhas dilacerantes de pó.
(do livro Poemas da Guerra de Inverno)

CANTIGA DAS CRIANÇAS FRUTEIRAS
Pedrinho tem fome de mato,
das frutinhas que tantas dão por lá
a madurez ele conhece no tato,
no olhar, olfato e paladar:
Cajuí, taperebá, araticum e cajá
cambuci, guabiroba, cagaita e maracujá
Juca é menino peralta e erradio
se vê de longe um pomo a brilhar,
corre e pula até cerca de sítio,
e lá se vai, frutas a apanhar:
Pindaíva, marôlo, sorvinha e biribá
saguarají, feijoa, sapoti e joá
Gustinho não poupa ninguém
só atina se a fruta é veneno;
se tem polpa pouca
ou se nem polpa tem,
a de vez ele come,
a passada também:
Mangaba, bacupari, tucum e butiá
uarutama, guriri, marmelinho e ingá
Renato é um bicho-do-mato:
chafurda nas matas,
rompe pelos florestins
sabe o tempo de todas as frutas,
e deita sozinho a fazer seus festins:
Babaçu, inajá, mandacaru e bacuri
sapota, araçá, cupuaçu e cacauí
Fernandinho é moleque fruteiro:
O pomar da avó é seu melhor brinquedo.
É fruta que não acaba tão cedo
e lá vai ele, arteiro,
trepar no arvoredo:
Grumixama, camu-camu, marmixa e abiu
pururuca, pitangatuba, murtinha e cubíu
Marcinha é a princesinha das plantas
plantar e colher é sua missão infantil
corre serelepe pelas vizinhanças
buscando frutas nativas do nosso Brasil:
Macaúba, ariri, murmurú e açaí
babaçu, batolé, catolé e licuri
De toda fruta nova que come
e a cada caroço que enterra no chão,
Marcinha entoa sua bela oração:
“Cresça, e dê fruta para quem tem fome!”
Mari-mari, jaramantaia, marmixa e uxi
mandovi, guabiroba, puçá e guaburiti
Saltam riacho, cerca de roça,
mata fechada e o que se lhes dá;
comem de tudo e tudo sem pressa,
sorvendo o bom doce de tudo o que há:
Acumã, pequiá, jameri e jaracatiá
aboirana, curriola, fruta-de-tatu e cambuiú
Sammis Reachers é poeta, escritor e editor, autor de dez livros de poesia e três de contos/crônicas, organizador de mais de quarenta antologias e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa. sreachers@gmail.com
