5 poemas de Daniel Ricardo Barbosa

Refletir

quebrada remendada
não era a mesma
peça com tanto sulco
derramava os chás
não servia ao café
derrubava a esperança
d’equilíbrio à mesa

quebrava galho como escoro calço
uma seta noutra direção
quando achou a função
outra vez veio a queda
muito mais fragmentos

tornou-se quase quebra-cabeça
foi usada tanta cola
praticamente perdeu a forma
outros contornos
novos desenhos
mero peso de papel

posso me deitar agora
o trabalho refeito
bateu o cansaço
venho quebrado
todo fragmentado
espelho.

Mudas

Ergueu-se o pinheiro
duas copas de ramas
tantas folhas sementes
quantos galhos mudas

Ergueram-se os braços
aleatórios pensamentos
Vistas que mal enxergam
Sentidos que mal percebem
notando de tudo um louco

Com qual expressão desmedida
encararei a terra agora
o erro escrito em cada célula
retido em toda gota de suor
em lágrimas destiladas
no riso
no pranto

Joguete solto ao vento
movido pra lá pra cá
trazendo de volta
já não era eu mesmo
dois segundos depois
três minutos antes
boneco de porto dedos
sádicos ou magoados

Espantalho de girar anti-horário
mamulengo dum azar
sem saber recomeçar
ou querer de novo e de novo
o cenho que encarará
a terra do nunca
jamais

Com os meus restos
Com os restos meus
fragmentos
brinquedos
segredos
erros.

Blues

Nenhuma abelha canonizou
a flor da palmeira bandeira
Lagartas seguiram livres o ciclo
devorando as folhas do artesão

Ninguém segura nas palmas
das mãos duas eternidades
Foram dez pinceladas de vento
nas nuvens esfumadas doeste

Gotas de azul Ella Fitzgerald
Vermelho memória Sarah Vaughan
E num verão quase setembro
Cantamos blues nem sabemos o quanto

Gatos ao lado vigiando a passarada
Semente de quebranto voando o pranto
Soprando para longe uns hiatos
Ceifando para sempre as sempre
vivas até a próxima
procrastinação.

Obelisco

Nas mãos caderno e caneta
repelem o grito da enseada
No muro bravata de pombo
tudo segue verde e ligeiro

Tatuagem na testa colorida
sessão sem fim d’acupuntura
Os ossos doem como vidraça
unhas não derramam cabelos

Marasmo seria dizer pouco
de um auge que ponteiros
teimam em fazer circular
mas eles nunca marcam.

A Humanidade das Flores

Falta humanidade
às flores
foi dito
e pude me perguntar

A humanidade que perfuma o ambiente
sem a quem olhar ou
A que extermina o semelhante
levando adiante sua visão de bem?

A humanidade que renova o ar
liberta ou
A que envenena o ar
condena?

A que ao próximo escraviza
escrava dos lucros ou
A que colore as vistas
sem cobrar nenhum juros?

A que inventa e lança bombas
de dissolver a carne ou
A que proporciona o alimento
de fortalecer os ossos?

A que mesmo morta em vaso
embeleza uma manhã ou
A que estupra ferra mata
tornando toda hora malsã?

Alguém dissera
faltar às flores
humanidade
tomo a liberdade

Faltam flores
à humanidade
Não humana-idade
às flores que não
são nossas.

Daniel Ricardo Barbosa é natural e residente em Uberaba-MG. É autor dos livros “Voo Sobre o Caos”, “Os Nomes na Máquina” e “Elo, Entrelinhas e Alucinações”, além de ter participação em várias coletâneas impressas e digitais. Publica frequentemente em seus perfis nas redes Facebook e Instagram.

POESIA

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