5 poemas de Gonzalo Dávila Bolliger

Jenny segurou a minha mão,
Ela me levou através da tempestade.
“Para onde estamos indo?” – perguntei –
E uma voz (que eu nunca tinha ouvido) sussurrou:
“Para dentro para dentro para dentro
Onde os pássaros não cantam
E um mar invisível reverbera.”
 
Não havia como não segui-la,
Não havia como não amar aquela imensa solidão.
E sem que percebêssemos caímos em um poço
Sinistro e perverso como a ausência de um sorriso.
Nos primórdios do tempo pousamos nossa dor,
No fundo daquele poço onde os fantasmas borbulhavam
Fizemos nosso casulo de onde jamais poderíamos sair…
 
Rostos desconhecidos nesse absurdo debruçaram seus anseios,
Eles profetizaram pesadelos há muito esquecidos.
“Éramos prisioneiros, Jenny? Tínhamos
Algum meio de fugir daquela obscura caverna?”
Crianças por trás da folhagem riram de nossas pretensões
E, no deserto dessa insônia
Eu ouvi um silêncio, quase  um vazio,
Um baque a repercutir por toda a vida:
                 “Que mar seria esse?”
 
Ela me levou a um quarto,
(De paredes rachadas e vozes comprimidas)
Onde apenas pinturas de mim se refletiam.
“Que estranho! Quem havia pintado tais figuras?”
Ela não soube responder. Apenas
Fitou seus olhos suaves sobre os altivos-frágeis olhos
Que em cada quadro irrequieto reluziam…
“Um dia eu pensei que era Jesus
Pensei por um momento que o messias fosse eu”
 
Mas meus pais me disseram que não,
Negaram meus anseios de me transformar no universo.
“Por que tanto sofrimento?” – me disseram –
Eu olhava para o alto na imensidão do céu anis
Onde milhões de espelhos o meu rosto contemplavam   
E, dentro dos meus sonhos, eu gritei (como em sonhos seguintes
                 gritaria)
“Por que tanta cobiça? Por que tanta
Ingrata solidão?”
 
Cansado em uma pedra eu me sentei,
E por um momento minhas ambições desvaneceram.
“Havia apenas a dor… não é, Jenny?
A dor de um céu azul
Sem nuvens, sem estrelas, límpido, vazio…”
E naquela pedra, cansado, eu chorei.
Talvez para alimentar o mar
Que dentro de mim parecia não caber.
 
Cruzamos então uma ponte, tudo era deixado para trás,
O rio fluía embaixo, bem embaixo, de mim.
“Jenny, para onde vamos?”
Seus olhos não tinham um rumo definido;
Eles só queriam adentrar-se, adentrar-se, adentrar-se
Sem nenhuma expectativa de saída
Sem nenhum grito a irromper no firmamento.
 
Chegamos então a uma sala,
Onde as portas beiravam o infinito
Após outras salas de infinitas portas
ter transporto.
“Qual dessas portas Jenny, minha Jenny
Nos fará sair da tempestade
E fazer- nos voltar a terra firme?”

Qual, qual dessas portas?
 
Ela não disse nada,
Seus olhos absortos pousavam suas mãos no infinito…
“Para onde estamos indo?” – perguntei –
E ela, com uma voz ainda mais aflita, sussurrou:                         
“Para dentro, para dentro, para dentro
Sempre deslizando através da tempestade
Rumo a um lugar que não existe
Rumo talvez a nossa alma.”

(Do livro Rumo ao Âmago da Própria Voz)

Melancolia
Os dias foram feitos para ti
E as noites, em silêncio, te veneram
Melancolia
O mar se cobre pouco a pouco pela névoa
E as aves, para sempre, se afastam
Melancolia
Qual o nome da tua temível potestade?
De noite, quando as lâmpadas se apagam
Vejo as crianças que perdem seus cabelos
E se transformam, uma a uma, em neblina…

(Do livro A Melancolia)

Porque o tempo não volta

Porque o tempo não volta
É que continuamos os mesmos.
Se houvesse um trem mágico
Que fosse diretamente a nossa infância!
Se ele reparasse cada pequenina
E dolorosa desilusão de menino!
E se ele curasse a chaga de tudo
O que não sendo feito,
Impede que algo façamos!
Comeríamos o presente com o maior gosto do mundo
E se lembrássemos (por acaso) do passado
Seria apenas como um sonho louco e feliz.
Ah que belo conto de fadas seria!

Mas nunca acreditamos em fadas, meu amigo.
Eu (o homem) e tu (o menino)
Sempre fomos um só quando choramos
E sempre estivemos sozinhos
Pois o mundo jamais nos compreenderia.
Eu chorando a tua ausência
E tu (meu fantasma) o teu futuro!
Porque o tempo não volta
É que continuamos os mesmos.

(Originalmente é do livro Poemas Esparsos,
primeiro livro que escrevi;
também está no livro A Melancolia)

HYSTÉRIA

O horizonte avança sobre as cores dos meus pensamentos
Tento me segurar em vão nas barras do metrô
Os corpos sem carne seguram I-phones e olhos perfurados
Se segurar nas ideias nos sábios no progresso na esperança
Se segurar no amor na infância na primeira praia que pisamos
Venta venta desde o escuro dos pesadelos vermelhos O frio
Percorre as lembranças e desejos como a casas vazias
Passa pelos corredores do cérebro deserto
Destrói cada estátua sem rosto e cada
Palhaço de sorriso perpétuo –
Nós, nós nunca pertencemos a este mundo!

Academias, escritórios, labirínticos shoppings
Piadas no trabalho, praias cheias, crianças nos celulares

Queria , queria um eletrochoque
Que me fizesse ser real como eles
Mas sei, sei que não passo de um fantasma
E sei que dentro não há carne nem espírito nem fezes
Apenas uma confusão que grita pelas pontes que caem
Pelos carros que no escuro nos transformam em vísceras e ossos triturados
A rua, quando acaba de chover, traz as vozes da destruição das estrelas…

Lado direito, inflamação no cérebro
Eletricidade atravessando a nossa alma violenta

“Serei assim tão feio? Estarei
Perdendo meus cabelos? Conseguirei
Ter mais uma ereção? Suportarei
Fingir mais uma vez que sou feliz? Terei
O fôlego para atravessar toda esta noite?

O PÂNICO
O PÂNICO
O PÂNICO

O VÔMITO
O VÔMITO
O VÔMITO

Ah, eu caminhava pela calçada enquanto sentia que ia cair,
Meu corpo não podia suportar meus pensamentos,
Morcegos brancos que cruzam as árvores do sonho
Vozes infantis que desaparecem na concha das horas
Se agarrar a algo permanente como a uma sacola no vento
A escola e as risadas dos outros nos empurrando ao abismo
O espasmo da solidão do tédio do tempo que estupra nossos dias
As ondas do suicídio que nos tentam como a voz
De uma linda adolescente sonhadora,
Para lá para lá vamos caindo
Rumo às ruinas de nós mesmos
Onde
Vemos nosso rosto de chorume e baixezas decomposto,

Branco branco branco branco
Tudo vazio e inconsistente como o suor dos fantasmas
I-Phones nas mãos de trabalhadoras sombras sorridentes
Mães e pais abandonando as crianças nas escolas sem sonhos
Olhos que só querem saber de estar vivos sem saber por que estão
Uma fratura que cresce, a solidão assoviando para nós
Nós, nós nunca pertencemos a este mundo
Não há ideia ou conceito em que nos segurar
Não há pessoa ou sombra com quem nos suicidar,
O metrô atravessa as estações da morte
E vai abandonando nosso feto natimorto
Em cada delegacia matadora de esperanças,
Onde
Em três segundos perdemos nossa alma…

E o que importa gritar? O que
Se contorcer como um espantalho em ventania?
Ou atacar como o louco as sombras do arco-íris?
Apenas isso, apenas este fluxo
Que nos suga sempre e sempre
Para o reino onde os pensamentos dominam as marionetes do corpo
E os tiroteios nunca deixam os pulmões da alma respirar
A vida, a vida é uma corrida sem pausas rumo ao imensurável esgoto

Lado esquerdo, inflamação no cérebro
Eletricidade passando dolorosa pelas cores dos nossos pensamentos…

Shangrila, shangrila, shangrila
Golpe Martelo e vai e vem de claro e escuro
Os carros as pombas o vazio do tempo e dos semáforos sem cores
Tudo martelando esburacando queimando espetando estuprando
Nosso triste esqueleto nunca em férias
e lá
E lá as nuvens como melões metálicos
Os rostos cada vez mais cegos, sem ouvidos e sem cheiro
Nada nos trazendo os raios de um sol anterior a nossa vida
E mesmo que o fizesse – já estão vindo os cavalos elétricos do caos
Os golpes os terremotos no chão, neste chão todo ardente
Que é nossa alma sempre em tripas de sonhos explodindo
“Serei assim tão feio? Conseguirei
Ter mais uma ereção? Poderei
Um dia ter alguma paz? Suportarei
Essas asas de morcego sobre mim? Terei
Algum universo onde poder me segurar?

Lado direito, lado esquerdo, em tudo inflamação
Eletricidade, paralisia, convulsão na calçada
Estamos sempre perdendo a nossa alma

O PÂNICO
O PÂNICO
O PÂNICO

O VÔMITO
O VÔMITO
O VÔMITO

(Do livro Hystéria, ainda não publicado)

Quando a conheci ela não falou sobre livros,
Não falou sobre teorias alheias
E nem sobre acontecimentos reais.
Ela apenas contou a sua vida
E me narrou um sonho estranho
Em que morria
   Na mesma hora em que nascia…
 
E tudo isso ela me disse
Enquanto me acompanhava à minha casa…
 
Eu lembro
Pois ela caminhava como se fosse cair
 
E eu lembro:
Seus cabelos eram negros como noites mal dormidas
Seus olhos puxados como as terras distantes
E sua voz pesada como os que querem morrer…
 
                …
 
E às vezes riamos de tudo por horas,
Riamos dos outros e das crenças alheias                                 
Riamos da família e de nós por igual
Riamos de nossos colegas, estudantes
E do amor entre Jesus e Madalena…
 
                …
 
Passados dias me deparei pensando nela,
Lembrei de suas histórias como quem não pode esquecer.               
E agora que os anos passaram e tenho pesadelos sozinho
Observo uma mancha que cresce no espelho.

(Do livro A melancolia)

Gonzalo Dávila Bolliger nasceu em 1989 em Lima, Peru, e se mudou para o Brasil em 1994 com os pais. Estudou Letras na USP e tem como alguns dos seus livros: Rumo ao Âmago da Própria Voz (poesia, pela Autografia); As Realidades Invisíveis (conjunto conceitual de contos e novelas; pela Autografia) e A Melancolia (poesia, sairá este ano de 2022 pela editora Piraputanga).

POESIA

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