O vento toca seu rosto —
definha sob a janela.
Tocar-lhe-ia o coração,
carne feita vela?

Da flor de sua mão, já se foram
os rastos do jasmim.
De seu corpo, o sol roubara o calor;
no vestido, deixara o carmim.

No ocaso,
ela é pálida e imóvel.
A luz esquálida,
por acaso,
não lhe ilumina o corpo.
Flor de mil tons,
seus olhos permanecem foscos.

No fim do dia,
nenhuma melodia pode captar
sua canção de rosas.
A cor é silenciosa;
o reflexo, um mero brilho.

Na geografia de teu rosto,
marcas tão indeléveis:
vales, colinas, ribanceiras…

Tantas coisas, tantas tristezas
que nunca alguém descobriu…
Tantas raízes no teu silêncio.

Tantas coisas, jamais ditas —
na geografia antiga de teu rosto.

Monumento

O teu corpo recende a cinza e flor —
quando, envolto em perfumes e espinhos,
jaz, castanho e sereno, nos caminhos
abertos pela labuta do amor.

Hoje, ele brilha, todo seiva e ardor —
contente com ser pasto aos passarinhos.
Amanhã, quando ouvir o som dos sinos,
tremerá de fadiga — e de temor…

Amanhã, os teus olhos serão graves —
sepulcro de alfazemas e mistério;
teu peito — será cofre a sete chaves.

E o que nos restará, amor, então,
na fome de uma lavra tão estéril,
senão, juntos, amar a solidão?

Noturno

foi quando um piano, ao longe,
começou a tocar…

.

a sala castanha
o café áspero
os silêncios do lanche da tarde

o dia e seus movimentos
o dia e seu enredo
tempo dilatado dos fins de semana
— o dia passara

a partitura voa sobre as casas brancas —
árvores entregando-se ao anoitecer

no presságio das despedidas os risos se esvaem

todos fingem não escutar
a ave vespertina
que canta

nesta hora de fronteiras,
nada ousa proferir seu nome

quem, enfim, se atreverá a dizer
que na tarde moribunda existe tristeza?

Epigrama

Foi na maresia
que nos deitamos:

do amor acre,
do sexo pálido
unido em concha;

da brisa de sal
que fustigou
nossos corpos.

Gustavo Lamounier Miranda é estudante de línguas clássicas na UFMG, além de escritor e poeta na horas vagas. Vive em Belo Horizonte (MG).

POESIA Gustavo Lamounier