De ‘PRIMITIVOS’, de Pedro Strack
Os poemas integram o livro Primitivos,
publicação de 2022 da editora Dialogar.
CARMA DE DISPAROS
Percorrendo entre livros
Em busca das primaveras
O povo, em seu pleno florescer,
Exprimiu-se nas mais rubras das ideias
Quantos mais discípulos de Tolstoi
Devemos cultivar em nossos lares
Até que as paredes já não ouçam tiros?
Insistentes na potência das armas
Imprimimos a sangue tão frágil carma
Embriagados pela brutalidade
Que arde em nossas veias

VIDA CÍVICA
Tão doce essa harmonia
Que me nutriu a consciência
Na paz que veio à minha alma
Quando encontrei o verde da grama
Para me dispersar deste tom de cinza
Que sobe ao sangue quando respiro
Nas calçadas das avenidas
Era leve esse outono
Senti por alguns instantes
O teor das verdades do instinto
A quente grandeza do sol me distraiu
Enquanto divaguei em sentimentos
Em muito distantes da vida cívica
De conceitos e documentos
Mais alguns cheques
A consumir minha vida

CONVERSÃO
Por trás de tantos anos de ateísmo
Encontrei o desejo de um Deus
Que não tivesse culpa pelo meu sofrimento
Que não tivesse entre suas criações
A dor, o pecado e a condenação
Ou ao menos que não criasse
Quem se tornou a encarnação da perversão
Um Deus impotente
Frente aos problemas da terra
Ao invés deste negligente
Que tudo pode e tudo vê
Pedi em minhas preces por um Deus
Que não precisasse do meu perdão
No anseio por este encontro
Aprendi a me perdoar
Assim como ver em mim
Não só dores e demônios
Mas também o Divino e a fé
Que me faz transcender a individualidade
Mostrando-me do que sou parte
OS VISIONÁRIOS E OS ASTROS

Já não há mais espaço
Para prestígios em meu destino
Nem para desilusões em minha vida
Pois sou tão divino quanto qualquer Buda
Tão Lúcifer quanto qualquer anjo
Pois transcrevo-me ao imaginário
E brilho com a chama de quem foi roubado pelos Deuses
E não pode dividir com a humanidade sua glória
Já não me serve
Teu socialismo burguês
Nem tua ética niilista
Pois os visionários
Perderam sua consciência
E os astros o significado
Já não há mais alguma ira em minha alma
Apenas a arrogância com que perdoou a quem rejeito
Como quem preserva esta ausência de ego
Pedro Strack (Porto Alegre, 1986) é poeta e produtor de eventos. Em 2009 criou o blog literário Primitivos, que durante seus dois anos de duração contou com mais de dez colaboradores. Como continuidade do projeto, lançou em 2013 o Sarau Selvagem, evento de poesias com participação livre que ocorre em Porto Alegre. Pedro foi vítima de pedofilia aos sete anos e é esquizofrênico.
