REDEMOINHO, uma newsletter literária – entrevista com Rafael Glória
Lançada no começo de março de 2023, a newsletter Redemoinho surge para trazer conteúdo noticioso e analítico a respeito da literatura brasileira. O projeto é iniciativa de e elaborado por Rafael Glória, que é também editor-fundador do Nonada Jornalismo. Com o Nonada, foi finalista em 2017 do Prêmio Parceiros da Escrita, da AGES – Associação Gaúcha de Escritores. Ganhou o edital Sesc Convida e o Prêmio Trajetórias da Cidade de Porto Alegre na categoria Livro e Leitura em 2020. Em 2021, foi selecionado para uma mentoria na Fundacion Gabo de Jornalismo. Conversamos com o Rafael nesse edição de Sepé a fim de que ele explique melhor o projeto do informativo e as formas pelas quais leitores e autores poderão melhor interagir com o veículo.
Dentre as muitas formas e iniciativas de divulgação literária contemporâneas, muito se vê uma tendência de que as tecnologias de redes sociais acabem centralizando os meios de comunicação. De repente, surge uma ideia diferente, uma newsletter que tem uma dinâmica mais direta e exige um tempo de leitura maior que as telas de um Instagram, por exemplo. Como foi gestada a ideia da Redemoinho, Rafael? E por que a opção pelo formato de uma newsletter?

É interessante pensar sobre essa necessidade que nós temos de filtrar o conteúdo que lemos, que consumimos online, já que há muito disponível. Sou jornalista de formação e as redes sociais, os algoritmos, as inteligências artificiais e outros fatores como, por exemplo, a crescente produção de conteúdo sobre vários assuntos realizada por diversos tipos de profissionais, tiraram aquela ideia quase que exclusiva de gatekeeper do profissional do jornalismo. Não estou aqui julgando o valor disso, até porque o jornalismo é só uma das formas de mediar o mundo, mas o fato é que a dinâmica de divulgação/leitura/consumo também foi muito afetada. A ideia da newsletter veio, então, da possibilidade de ter uma organização mais direta e em que há um controle sobre a chegada do conteúdo na caixa de entrada do assinante, periodicamente. E conversa com a intenção da Redemoinho, que é ser de “longa leitura”, isto é, um material exclusivo, feito para aquele espaço. É também mais um braço do Nonada Jornalismo, que possui outras newsletter, voltadas mais a conteúdos de curadoria de outros sites e do próprio veículo. Há tempos eu tinha a ideia de me dedicar mais a cobertura literária e estamos sempre pensando em novos produtos jornalísticos para o Nonada e esse é mais um deles. A ideia é ter esse tom mais subjetivo mesmo, como uma conversa, uma carta endereçada aos leitores.
Do ponto de vista dos leitores, quais os conteúdos que estão sendo já veiculados e planejados para a newsletter? Os leitores também interagirão na escolha de pautas? Como é que Redemoinho está pensando esse aspecto relacional com leitores e autores?
Levo para a vida a ideia de que estamos sempre aprendendo e moldando nossos projetos jornalísticos enquanto eles ocorrem. Então, basicamente a cada edição estou aprendendo com alguns feedbacks de leitores e também pensando sobre o que poderia ser melhor realizado ou adicionado. Na segunda edição, por exemplo, comecei a seção “Prosa Científica”, que trará pequenas entrevistas com pesquisadores da área da literatura e da escrita criativa. A ideia é justamente apresentar as diversas pesquisas que existem e que não ganham muita visibilidade fora da academia. Além da “Prosa”, temos o conteúdo principal que abre a news e as seções “Em outras notas”, que basicamente são pequenas notícias ligadas a área e muitas vezes conectadas ao tema central da edição da newsletter; a seção “Apóstrofos”; que são pequenos frases com links para eventos/cursos/ financiamentos coletivos; e também tem a seção “Da memória”, em que leio cartas de autores e autoras, um modo que encontrei também de evocar o podcast que fiz durante algum tempo, principalmente, durante a pandemia, o Quando Chegou Carta, Abri, em que eu fazia justamente isso, leitura de cartas entre artistas brasileiros, contextualizando o momento. Em relação ao aspecto interativo com os leitores, acho que na escrita dos textos vou começar a fazer perguntas e propor mais interações, para que me respondam as edições. Nós também temos um instagram da Redemoinho, e lá as interações acontecem de diferentes formas, por exemplo, estou dando espaço para lançamentos de autores lá, e é legal ver eles curtindo e compartilhando.
Há pouco, participamos de um debate em que se discutiu bastante uma certa centralidade da divulgação literária na questão de lançamentos e novidades. É claro que é relevante a divulgação de lançamentos, mas vimos que uma das preocupações do projeto é também dar atenção à memória da literatura brasileira. Pode nos explicar melhor como está pensando essa atenção?
Não é segredo que temos um problema de memória no Brasil, vários acontecimentos importantes ao longo da história acabaram não tendo sua reconfiguração necessária anos depois que aconteceram e ainda são motivos de disputa, como o caso estrondoso da Ditadura Militar. Não punimos nossos generais de meia estrela, então, a impunidade é o nosso fardo. Esse talvez seja o exemplo mais visível, mas em termos de história da literatura, temos uma grande quantidade de acervos, de pesquisa que estão sempre encontrando novas autoras e novos autores e assim reconstruindo narrativas, por exemplo, como o caso da Maria Firmina, sendo reconhecida como a primeira romancista negra brasileira e que tratou de abolicionismo em sua obra. Então, olhar para o passado é também descobrir novidades que podem iluminar nosso presente. Tenho essa preocupação em mente ao fazer a Redemoinho, porque o jornalismo também é um criador de memórias – mesmo que agora sejam digitais. As cartas que pretendo continuar trazendo na leitura também são uma forma de manter essa ideia da memória viva. Pretendo trazer o tema de acervos literários de forma constante em próximas edições.
Nesse mesmo debate, comentava-se que, mesmo com a atenção muito focada nos lançamentos, muitas editoras têm dificuldades de alcançar um público maior. Estou pensando aqui nas editoras sediadas no interior, mas também da falta que faz uma atualização mais abrangente do mundo editorial. Se pensarmos no RS, não chegamos a uma centena de editores e, todavia, a sua maioria não repercute tanto quando poderia. Como dinamizar mais esse setor é a pergunta e, claro, não pensamos que seria responsabilidade de um veículo dar conta dessa problemática. Mas divide conosco o que pensa a respeito e como poderíamos pensar nisso de forma mais articulada e menos setorizada.
Acho que tudo passa também por uma política nacional do livro e da leitura, da criação da possibilidade de inserção de mais pessoas na área. E isso vem com formação e investimento dos diferentes segmentos governamentais, tanto em âmbito municipal, estadual e federal. É claro que não dá só para contar com a iniciativa pública, mas muitos programas e projetos se tornaram referência em termos de mediação de leitura, por exemplo. Talvez falte isso no sentido de aplicar para editoras…Eu vejo como cenário ideal um ecossistema grande de editoras, cada uma especializada em algum tema contribuindo para o conhecimento da sociedade em que está inserida. Mas não somos ingênuos e sabemos das dificuldades que é lançar um livro e a dificuldade maior ainda que é ter algum lucro para a editora. Mesmo assim, vejo que nos últimos anos surgiram várias editoras pequenas que se tornaram premiadas e que deram espaço para uma nova geração de autores, muito mais diversa e acho que também muito mais próxima dos leitores. E isso é algo muito importante.
Por fim, gostaria de pedir que explicasse melhor como acessar os conteúdos, receber a newsletter e, se desejar convidar os leitores e autores da Sepé a participar também, use essa última questão como espaço de divulgação.
Bom, é possível acessar pelo site redemoinho.substack.com e lá você pode assinar para receber diretamente em seu email, sempre de forma gratuita. A Redemoinho é quinzenal, lançada sempre na quarta-feira. Temos também um instagram, o Redemoinho_news. Agradeço muito o convite e parabéns pela Sepé!
Rafael Glória é jornalista, Especialista em Jornalismo Digital pela Pucrs, Mestre em Comunicação na Ufrgs e Editor-Fundador do Nonada – Jornalismo Travessia. Acredita nas palavras. @rafaelgloria
