DE ‘EU VOU PIORAR’, DE FERNANDA BASTOS
Identidade
já fui carneiro
fernanda carneiro
e depois bastos
carneiro foi doação de vovó
para fechar com dois nomes
enquanto mamãe apagava
que papai sabe-se lá onde
no exato dia em que papai
soube-se aqui na frente
perdi a herança de vó
recebi um pires e um abraço
não ganhei nada.

Ali o samba acabou
O documentário mostra o tio compondo
invadido de Paz e Beleza no seu coração
cingido de mulheres iguais entre elas
mulheres que podem sorrir o fazem e devem
a vida do tio é privada
e as mulheres dele brancas
a família do tio embranqueceu
é seu direito acreditar na miscigenação
e no sítio do picapau amarelo
o presidente brasileiro defende a família
sem aborto e beijo alegre
nunca foi afinal assunto privado
a família e a mão do estado

De madeira e marfim
O raio que invadiu nossa casa
fez você cuspir fogo
além da conta
agora cuida de queimaduras
como quem planejasse
minha mudança de pele

Sermão
Uma família que só pariu
mulheres, um desperdício
sem motoristas, sem armas,
é pesado o fardo de carregar
todas elas nas costas
as mulheres aparecem grávidas
e seu trabalho, limpar e cuidar
dos que não trabalham ou são doentes,
isso não paga as contas.

Âmago
O meu orí
eu sei
perdi
de mim mesma
caso é que escondi
meu tão bem
que jaz
nem eu
hei de encontrá-lo
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Fernanda Bastos é jornalista e escritora. Estreou na literatura em 2018 com Dessa Cor. É editora-geral da Figura de Linguagem e também servidora pública estadual. Mestra em Comunicação e Informação (Fabico), formada em Letras pela Ufrgs e Comunicação Social pelo IPA , é colunista de Literatura RS.
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