3 POEMAS INÉDITOS DE JOÃO ANTÔNIO SOARES NETO
Finalmente
Já não sei mais onde está o contrato,
nem as armas, nem as asas de voar daqui.
Eu tenho tudo deposto, como se roubasse
para o meu próprio uso os teus pés
e como usasse nos braços tuas mãos
e olhasse a partir dos teus olhos e a tua voz
estivesse cheia das minhas palavras
para dizer-me como tu és, na verdade.
Quem eu sou já não tem importância,
nem quem eu era. Não sei olhar o futuro
amanhã, nem o quanto ele me importa.
Transmuto a mim mesmo num espasmo indolor
para engolir tudo o que te aflige
e ocupar, sem critérios, nas tuas entranhas,
o espaço em que me deixaste crescer
para que eu finalmente me aposse de ti.

A caravana
Foste comprar, perdeste o dinheiro.
Saíste a nadar, deixaste as barbatanas.
Partiste à desforra, esqueceste a espada.
Trouxeste os cabelos, deixaste os espelhos.
Calculaste os minutos, esqueceste os relógios.
Fugiste ao silêncio, perseguiu-te o fremido.
Arrastaste os pés, a estrada ruiu.
Ergueste as mãos, já não havia mais céu.
Gritaste, mas, como todo grito, em vão…
2
Soubeste desde o princípio, e calaste.
Fizeste-me entender do que já desistira.
E perseguir-te quiseste parecer-me um dom.
Foste buscar-me, a caravana sumira.
Sopraste um encanto, desvaneci-me.
Desesperaste, mas com que compostura…
Quiseste sentar e a cadeira quebrou-se.
Deitaste ao chão, puxaram-te outras mãos.
Pensaste que eu sobreviveria, eu não…

Desde quando
Desde quando essa morte nos ambiciona?
E desde quando os animais passaram a agir de forma estranha?
E as estrelas, quando passaram a nos insultar à distância?
Desde quando não esperei mais e me perdi em meus passos?
E desde quando desistimos ao centro do labirinto?
E as fagulhas que o fogo faz, quando renunciaram a nós?
Desde quando passamos a preferir os gradis à floresta?
E quando nos decidimos pelo assassinato que nos preparavam?
E a duração provisória da noite, desde quando nos foi o bastante?
Desde quando nos mastros dos navios as fragatas já não descansam?
E desde quando o horizonte se tornou tão inviável?
E o passado, desde quando foi feito dele um refúgio?
Desde quando foi indescritível dizer do modo pelo qual sobrevivemos?
E desde quando a panaceia de tudo se tornou indiferente?
E do que temos tido para sonhar, desde quando nos acordaram?
Desde quando os calendários decidiram embaralhar-se?
E as promessas que nunca fizemos, quando foi que se tornaram indispensáveis?
E o que temos um do outro, desde quando nos permitimos furtar?
Desde quando retomar o destino deixou de ser um suplício?
Desde quando nos perdemos nos extremos a que nos compelimos?
E isto que perdura, por quanto tempo nos permitirá sobreviver?
Desde quando desacreditamos no que a doçura do hálito nos explicou?
E desescrevemos a memória, como um pedaço de areia exposto ao mar?
E o que fizemos do que mal víramos para além deste inconcebível terror?
Antônio Soares Neto nasceu em Santa Rosa (RS), é publicitário e músico. Publicou um livro de poemas artesanal, Arquitetura do Amor, no ano de 2014. Os poemas aqui apresentados são inéditos. E-mail: antonsrnet73@gmail.com