3 MINICONTOS DE CLAUDIO B. CARLOS

O CHEIRO DOS CUSCOS NAS BOMBACHAS

Enquanto todos brincavam de campinhos, e de ser Batista, Zico, Sócrates, Cerezo, De León ou Falcão, eu preferia ficar com a cuscada. Eu queria ser ninguém. Me perder entre os guaipecas vadios e pronto. E só.

Eu abraçava os cuscos e sentia o coraçãozinho lá deles batendo junto ao meu.

Depois os gritos cessavam. Paravam os chutes. O futebol acabava. Os guris iam embora, cada um para sua casa, levando lembranças de dribles, defesas e gols lá deles… E os vira-latas também se iam, seguiam seu rumo.

Eu, a caminho do rancho, levava nada. Só o cheiro dos cuscos nas bombachas.

A CAIXA

Ele chegou faceiro, depositou a caixa sobre a mesa e chamou toda a família para que víssemos o que havia conseguido no centro da cidade, na saída do trabalho. Foi uma pechincha, disse. Falou que se tratava de um animalzinho frágil, que faria muito bem a todos. Disse que o bichinho comia pouco, e se chamava Paz. Pediu para que todos se aproximassem. Disse que abriria a caixa. O guri menor arregalou bem os olhos e abraçou a perna do velho. Quando o pai abriu a caixa o bicho voou, e desapareceu por um vão da cumeeira. Mal tivemos tempo de ver a cor do animal. A Paz, tão desejada pelo velho, foi embora de nossa casa, e ainda cagou sobre nossas cabeças. O pai nunca mais foi o mesmo.

AO ESTILO JULIAN MURGUIA

Havia uns negrinhos, que barrigudos e descalços, na frente das casas toscas, chupavam o ranho que escorria do nariz. Um deles, com cara de sem-vergonha, sempre piscava o olho pra mim quando passávamos a cavalo. Os guaipecas magricelas saíam de atrás de nós importunando as montarias, que assoleadas, espumavam nos beiços, mascando o freio e coleando as moscas. A um ponto do trecho tínhamos que atravessar o rio que em algumas partes mal e mal dava vau. Saíamos do outro lado com os pelegos pingando. Pra mim era folia, que ia junto de metido, com a desculpa de aprender o ofício. O pai fingia que acreditava e fazia vistas grossas quando eu amofinava o matungo dando-lhe de garrões e girando no matambre do bicho a roseta das esporas, fazendo-lhe galopar sem precisão. Na volta os peões traziam as malas de garupa repletas de fumo em corda, erva-mate e rapaduras. Eu tinha vontade de apear e dividir uma delas com os piás ribeirinhos, mas achando que o pai não fosse concordar acabava por seguir quieto no lombo do tostado.

Cláudio B. Carlos – poeta e contista. Nascido em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, RS. Tem diversos livros publicados. Coordena o Grupo de Escritores O Bodoque. Atua no mercado literário como editor, preparador e revisor de textos. Vive em Cachoeira do Sul, RS – é editor da Editora Coralina (www.editoracoralina.com.br) e da Saraquá Edições (www.saraquaedicoes.com). Apresenta o podcast Balaio de Letras (www.anchor.fm/claudiobcarlos).

FICÇÃO

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