‘TUDO SOMA ZERO: HISTÓRIAS DE OUTROS FUTUROS’, ORG. ANA LUIZA RIZZO E CRIS VAZQUEZ
Por Maristela Scheuer Deves
Quando li Tudo Soma Zero: Histórias de Outros Futuros (Class, 296 págs.), em fevereiro, o livro me impressionou pela mistura de distopia com realidade. Tudo ali era ficção (ainda bem!, eu pensava), mas muitos daqueles futuros imaginados poderiam, a seguir o rumo que a humanidade vinha tomando, tornar-se um dia presentes. Agora que já passamos nove meses – o tempo de uma gestação – mergulhados numa outra realidade com profundos toques de distopia, o tom premonitório da coletânea de contos de 26 jovens autores organizada por Ana Luiza Rizzo e Cris Vazquez me parece ainda maior.
Não, os textos não falam de pandemia, essa palavra que a maioria de nós nunca tinha pronunciado antes e que agora se tornou comum. Mas eles falam de medo, e de dor, e de distância entre as pessoas, e de caos. De desconfiança. De descrença. De manipulação. Eles falam de realidades paralelas que não queremos, mas para as quais, por vezes, parecemos rumar sem possibilidade de retorno.
Em algumas histórias até mesmo reconhecemos situações que, de certa forma, já estamos vivenciando. O conto de Cris Vazquez, “Srta. Remotinha”, por exemplo, remete a um ambiente de trabalho vazio de seres humanos, uma vez que todos trabalham de casa, sem contato. “Onripothana”, de Taiane Maria Bonita, tem uma viajante impossibilitada de voltar para o Brasil porque este arde em chamas e está com os hospitais lotados.
“Independência”, de Tiago Germano, mostra um país em que a paranoia da volta do comunismo chega ao extremo da intervenção nas universidades e da apropriação, pelo discurso político, de textos do Antigo Testamento (nunca do novo, que prega o amor e a caridade). A facilidade de convencer e manipular as massas por meio das palavras – em especial das falsas, se ditas com convicção – também é tema de “Um dicionário e uma calculadora”, ótimo conto de Gustavo Melo Czekster.
Andreza Postay traz o caos urbano de um princípio de guerra civil em “Três quadras e virar à direita”, enquanto Alexandre Alaniz mergulha na mente de um homem desesperado por não ter como pagar suas dívidas, em “Um em um bilhão”. A vigilância constante, o patrulhamento de ideias e a opção pela clandestinidade estão em “Apenas caminhe, como sempre”, de Caroline Joanello.
Tudo Soma Zero conta ainda com textos de Alexandre Baldasso Schossler, Ana Cláudia Martins, Ana Luiza Rizzo, André Roca, Andriolli Costa, Fred Linardi, Irka Barrios, Kathy Krauser, Laila Ribeiro, Leandro Demeneghi, Lorena Otero, Lúcio Humberto Saretta, Matheus Borges, Nara Vidal, Paulo Pinheiro, Rejane Benvenuto, T.K. Pereira, T.S. Marcon e Vanessa Maranha. Não vou me deter aqui em todos eles, até porque não há como dar uma dimensão exata do impacto que o conjunto causa ao leitor. Uma coisa, porém, precisa ser dita: se esses futuros pareciam assustadoramente próximos quando o livro foi lançado, em dezembro de 2019, agora, em dezembro de 2020, eles parecem estar batendo à porta.
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