PELEIAS, por Athos Ronaldo Miralha da Cunha
O conto intitula o livro “Peleias”, editado pela Martins Livreiro
e ganhou o primeiro lugar no II Concurso de Contos Armando Mendonça 2020
– promovido pela Casa do Poeta de São Pedro do Sul – Caposp.
Será lançado na Feira do Livro de Porto Alegre
no dia 03 de novembro, às 18 hs.
Paco Diablo ajoelhou-se diante do córrego para matar a sede. Vinha de uma longa jornada de cavalgadas e peleias. No último combate contra as tropas de Amaro Missioneiro – um Pica-pau das bandas de Santiago – havia sobrevivido por conta de muita sorte. Nem sabia explicar como estava ali, diante de uma límpida água corrente. Seus companheiros de embate haviam sido mortos ou estavam dispersos no pampa. Alguns se bandearam para o Uruguai, na tentativa desesperada de salvar a própria pele.
Sentia-se salvo por aquelas paragens que mal conseguia decifrar, por conta de uma noite montado no tordilho. Naquele amanhecer avermelhado, vislumbrou um capão de mato, uma sombra para descanso e, quem sabe, água corrente para saciar a sede. Cavalo e cavaleiro estavam exaustos.
Mas uma dúvida corroía-lhe a mente. Quando fugiu do embate, o irmão estava numa luta feroz de adaga com Amaro Missioneiro. Ouviam-se os berros e tilintar das adagas no entrevero – faíscas de ferro branco – e balas de espingarda quando perdeu o irmão de vista. Será que o velho João das Chilenas havia sido abatido pelos capangas de Amaro? Ainda retumbavam em seus ouvidos os balaços desferidos pelo bando de Amaro Missioneiro e agradecia aos céus por ainda estar vivo e ter encontrado uma sanga para se refrescar da cansativa noite de fuga. A emboscada dos chimangos havia exterminado as tropas de João das Chilenas.
Agora, Paco Diablo estava ali com o rosto no riacho, todo estropiado, sorvendo a água límpida da sanga e sem saber por onde andava e o que sobrara da tropa dos maragatos do irmão João das Chilenas. Acocorado na beira do riacho, se refrescava. Então sentiu um gelado cano de revólver na nuca. No reflexo da água pode ver a cor do lenço branco do homem que apontava a arma.
– Tu és irmão do corno João das Chilenas? Vire-se para ver o verdadeiro Diablo.
Paco levantou lentamente e encarou a figura de Amaro Missioneiro. Não teve muito tempo para pensar. Nas peleias de 24 conversava-se pouco, se atirava bastante e se degolava demais.
Um estrondo de arma de fogo, novamente, zuniu em seu ouvido. Um silêncio no capão, depois de uma revoada de cardeais. Mais um gaúcho morto pela luta fratricida. Amaro Missioneiro tomba sobre as águas do riacho com um tiro certeiro no peito. Cai de costas, alvorotando os lambaris e avermelhando a sanga. – Nesses tempos de peleias, tem que ter mais cuidado… Diablito – João das Chilenas falou e sorriu para o irmão.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha nasceu em Santiago do Boqueirão – RS. É engenheiro civil e funcionário aposentado da Caixa. Autor dos livros Os agachados – crônicas da Era Lula (edição 2012), Contos de Chumbo (Chiado Editora 2015), Tintos e Contos (Penalux 2017), O código Locatelli – romance – (Penalux 2018), Sofrendo em Paris – crônicas – (Penalux 2018) e Contos de Prata (Penalux 2020). Detentor da cadeira número 32 da Academia Santa-Mariense de Letras cujo patrono é Apparício Torelly.
