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Essa é das brabas”, resmungava a tia solteirona. “É São Pedro arrastando cadeiras”, a mãe retrucava. Iniciavam então os rituais: espelhos cobertos com toalhas, cruz de sal, nacos de sabão no telhado. E para Santa Bárbara, velas e rezas fervorosas. “Tomara passe logo e não faça muito estrago”
As nuvens apagavam a tarde e o céu parecia uma imensa chapa sobre o quintal. Pelo desenho dos dedos na vidraça embaçada, espiava o balanço girando sozinho e vento brincando nos cinamomos. Impossivel andar lá fora.
As mulheres da casa pareciam não notar o aguaceiro nem temer os relâmpagos. Riam e falavam ao mesmo tempo, à volta da mesa, enquanto folhavam revistas de moda que eram passadas de mão em mão. Maria sabia que as revistas eram novas pelo cheiro inconfundível do papel. Na poltrona, perto da lareira, o avô cochilava e, vez ou outra, despertava em sobressaltos pela algazarra. Aos seus pés, o gato Lelo abria um olho, esticava uma pata e voltava a dormir. Depois do temporal, folhas e galhos eram varridos as calçadas, o sol ressurgia entre as nuvens e o dia continuava como se nada tivesse acontecido.
Os pingos espaçados na calha, dissipam as memórias de Maria. Olha em direção ao sul, e a linha rosa no horizonte indica que o tempo firmou. Abre as janelas, descobre os espelhos, recolhe o sal. Ajeita os vasos de gerânios no parapeito da varanda, varre as calçadas. No silêncio da sala, um gato faz companhia ao vazio.
Marga Cerdón Natural de Santa Maria, RS, Marga Cendón (1959) é casada, mãe de dois filhos e reside em Uruguaiana desde 1985. É artista plástica, fotógrafa amadora, poeta e escritora com dois livros publicados: LONJURAS (2013) e SAL E TRIGO (2014), ambos pela VIAPAMPA EDITORA. Tem textos publicados em oito antologias e atualmente é colaboradora no Jornal Leôncio do Centro de Letras da cidade de Paranaguá, PR.

