DE ‘PÔR A PRUMO O TEMPO’, de Pâmela Filipini

VOLTAR-SE PARA SI MESMO

Voltar-se para si mesmo.
Dar-se em Ternura aos fluentes de espírito
e rebanhar a Solidão que cresce montanhosa
no interior das árvores.
Dar de comer ao Tempo.
Sonhar a Velhice sem infestar o Silêncio.
Dar de comer aos povos de cada Artéria.
Fechar-se em Semente.
Criar medula na possibilidade de Fruto.
Colher-se no fim da vida que é,
irrevogavelmente, agora.
É nisto que me alegro
― sem nenhuma misericórdia:
a feia e magra sensação do infinito.
Um olhar às estrelas e se saber tudo o que há
não sabendo de coisa alguma senão a coisa
feita do que sonhamos.

ENVELHECIDA

É vela onde me escureço.
Esta coisa velha que sou,
exposta ferida que dá à luz
ao fracasso excelente:
um instante no interior
do mundo.

LUXO É OLHAR-TE

Quando amo o teu Silêncio
sei que é longe o que me fere.
Meu luxo é olhar-te quando
me há todas as paisagens
disponíveis.

SER ADMIRADA, JAMAIS AMADA

Ser admirada, jamais tocada
― como um vaso de flores vazio
ilustrando a pouca pertença.
Ser lida, jamais beijada
― como uma Ártemis:
interessante e, no entanto, perigosa.
Ser amiga, jamais pensada
― como matéria além-amizade.
Raiz nula, o fruto devorado em silêncio.
Ser invariavelmente a Mulher
Solitária que mora somente no aceno,
no conselho, na sabedoria fundada
no coração do exílio interior.
Ser ainda mais admirada, como se não
existisse um corpo, como se não
existisse braços e afeto, como se não
existisse uma Mulher Real com costas
sofridas e mãos prontas para amar,
como se a Poesia fizesse dela
uma igreja em chamas na qual todas
as pessoas já estão condenadas.
Ela, o espécime feminino que não pode
ser amado nem queimado.
Ela, fadada à morte sem ao menos
poder morrer.

Ser admirada, jamais amada.

Esta é toda Maldição
de ser Mulher-mulher,
de ser Mulher-lésbica,
de ser Mulher-poeta.

Pâmela Filipini nasceu em Rolim de Moura, Rondônia, em 1994. Tem formação universitária em Pedagogia, e atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Cultiva solidão e se planta ao silêncio para sobreviver, eis sua costura de compreensão. Escreve. Publicou Folhas dos ossos ou o tratado das coisas insignificantes, pela Patuá, em 2017 e Ensaio Sobre a Geografia dos Cernes, pela Editora Temas Originais (Portugal), em 2018.

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