Traduzido por José Eduardo Degrazia
Naqueles tempos, quando escutar histórias e contos pela voz dos nossos velhos era o passatempo favorito das crianças, soube da existência de personagens, animais e lugares desconhecidos.
Nesses dias, e na falta de livros e revistas ilustradas, fazíamos um grande esforço para botar nas nossas cabecinhas duras as imagens de todas aquelas maravilhas descritas nas narrativas.
Assim, a primeira imagem que tive de um rio foi de uma quieta e ondulante serpente de água, e apenas podia acreditar e enfiar na minha cabeça que o avião era como um pássaro de metal rugindo enquanto voava e voava perto das nuvens. Me perguntava, às vezes nos perguntávamos os guris daqueles tempos: Porque os aviões, sendo tão pesados, não caem na terra?
Algumas vezes, as encruzilhadas das ruas – lugar preferido pelos amigos e vizinhos, com quem brincávamos de pião às escondidas – eram locais onde, em improvisados bancos de pedra, nos reuníamos para escutar aqueles fantásticos relatos da infância.
Brincar nas ruas aprisionando borboletas brancas, amarelas, verdes ou da cor do café com manchas negras; ir para o colégio para aprender os conhecimentos ditados pelos professores; sair para fazer compras no mercado principal ou nos mercadinhos dos bairros; frequentar o catecismo e as missas, que naqueles tempos eram celebradas em latim, e conversar com os amigos na praça do povoado foram acontecimentos que me permitiram escutar um grande número de narradores, mas nunca conheci ninguém melhor na arte de contar contos como o meu avô Gregório, pai da minha mãe, a quem meus tios chamavam de Lin.
Quem pode saber os estranhos encantamentos que possuía, pois sempre nos mantinha presos às suas palavras ou seus gestos durante os momentos em que nos contava histórias incríveis. Ele, sim, o meu avô, sabia contar histórias.
Um dia, quando me encontrava dentro de um porão onde íamos amarrar folhas de palmeira em fieiras, na companhia dos meus primos, filhos da minha tia Romana e do meu tio Gonçalo, perguntei para ele:
– Avô, de onde tiras tantos e tantos contos que parecem um nunca se acabar? Como fazes para que cada um seja diferente? Quem os contou para ti?
Depois de sentar-se e estar bem acomodado num banquinho de madeira, disse:
– Os contos pertencem a todos, ninguém é dono deles. A mim me foram contando os meus avós, e aos avós lhes contaram os seus avós… Assim aconteceu sucessivamente…
E tirando o chapéu que lhe cobria a cabeça para descansá-lo no solo, advertiu:
– No dia de hoje, antes que comece a contar alguns contos, quero que façamos um trato.
Meus primos e eu escutamos ansiosos:
– A um de vocês vai ser pedida a importante tarefa de memorizar as narrativas; passado um tempo deverá escrevê-las, mas se existe dificuldade para cumprir com a obrigação, não deve sentir medo, já que terá uma oportunidade para que as repita, para poder lembrar delas. O escolhido será um privilegiado, pois se cumprir, disfrutará do reconhecimento de todos. No caso de fugir a essa honrosa distinção de memorizar e escrever os contos terá o repúdio da nossa parte por não obedecer nem cumprir com o compromisso.
Quando o avô terminou, ficou em silêncio. Todos os netos se entreolharam assombrados. Talvez cada um de nós tenha se perguntado: qual, dos que estão aqui, será o escolhido?, conseguirá cumprir com a obrigação?
Quando ninguém se atreveu a dizer “Eu posso”, o avô quebrou o silêncio dizendo:
– No bolso esquerdo da minha calça tenho umas sementes. Cada um de vocês pegará somente uma; ao fazê-lo, sua mão deverá permanecer fechada. Quando todos tenham sua semente, abrirão a mão quando eu mandar. O que estiver com um grão diferente dos outros será o escolhido.
Ninguém deverá ter medo. A semente com poder ficará presa na mão de quem terá de cumprir com o trato.
“Devo dizer para vocês que essa semente mágica sabe de nós, e conhece os passos do nosso destino, porque somos feitos da sua farinha. Esta sabedoria que nela se encerra, a deixaram escritas nossos avós desde os tempos em que a memória e a história dos homens era gravada na pedra das pirâmides e dos templos.
“Repito: quem pegar o grão diferente dos demais, a botará durante o dia no bolso esquerdo da sua calça; pelas noites, quando for dormir, a colocará debaixo da sua cama até que passem nove dias durante os quais a terá junto de si. Terminado este tempo, irá até o Poente da horta e o plantará. Transcorridos treze dias da colheita, o comerá. A semente, uma vez dentro do seu corpo, lhe outorgará o poder de lembrar das narrativas que a partir de hoje contarei para vocês”
Então exclamou em tom imperativo:
– Passem para sua semente de milho!
Sem perder tempo, e antes que voltasse a dar a ordem, tiramos rapidamente do seu bolso a semente que a sorte nos designou. Com as mãos fechadas esperamos a nova ordem.
Antes, o avô dirigiu uma olhada penetrante a cada um dos presentes e ordenou:
– Abram suas mãos!
Para surpresa dos demais, e, principalmente para mim, uma semente de milho amarela, diferente da dos meus primos, estava na palma da minha mão esquerda.
Imediatamente todos os primos gritaram com alegria:
– Cumprir! Cumprir! Cumprir!
Então o avô começou a contar suas fascinantes e intermináveis histórias…
Jorge Miguel Cocom Peche nasceu em Campeche, México, de origem maia, no ano de 1952. Engenheiro agrônomo e professor, escreve poesia e prosa na língua maia e em espanhol.

