Companheiro de jornadas pretéritas, Arivaldo é o que se pode chamar de homem rodado profissional e matrimonialmente. A cada evento em que temos disputado salgadinhos e drinques, ele indica pelo menos meia dúzia de seus “melhor ex-chefe” ou me apresenta uma nova “minha ex-esposa”, no caso a dele. É bem verdade que o segmento ex-melhores chefes superam numa margem confortável o das ex-mulheres.
– Trata-se de uma questão puramente econômica: ex-chefe não custa nada, já ex-mulher…- explica Arivaldo para a diferença numérica.
Mas o traço mais importante, notável mesmo, desse paladino da bem-querença é justamente a harmonia com que se relaciona com aqueles que foram responsáveis pelo seu contracheque e com as que já foram donas do seu imenso coração. Não interessa se nos dois casos foi muito ou pouco tempo de convivência, os encontros de Arivaldo com as ex e os ex são sempre um evento dentro dos eventos, com troca de abraços efusivos com os ex-chefes, beijos carinhosos com as ex-mulheres e troca de elogios, acredito que sinceros, sobre as aparências de ambos.
– Respeito a quem garante o pagamento dos boletos e a garantia de pagamento a quem gerava os boletos, é uma regra que tenho adotado por toda a vida.
Diante da minha ligeira decepção por entender que os elogiados procedimentos dele se resumiam a meras equações econômicas, apressou-se em me contraditar.
– A estabilidade financeira é a matriz de todos os bons relacionamentos, – ensinou, agora possuído da sua porção de mestre.
Como a proximidade com ele tem sido de grande aprendizado, elegi o amigo para meu panteão de Tipos Inesquecíveis, categoria Harmonizador.
Invejoso assumido, confesso que gostaria de ser como o meu amigo, um homem liberto de ressentimentos em relação aqueles que passaram pela nossa vida e deixaram marcas, para o bem ou para o mal.
Ao mesmo tempo, a imaginação se liberta e me leva a recordar que já tratei em outro texto da categoria dos ex – ex-chefes, ex-amigos, ex-colegas, ex-amores – , mas, repito, não com a fraterna disposição para a convivência do Arivaldo, e sim com uma reflexão sobre se vale a pena revolver o passado. Vamos que nesse processo surjam fantasmas que já estavam sepultados, tipo ex-chefes tiranos, ex-amigos que não corresponderam, ex-colegas puxadores de tapetes e ex-amores insinceros. Pensando bem, é melhor deixar pra lá.
Flavio Dutra é porto-alegrense desde 1950, é graduado em Comunicação Social pela Fabico/UFRGS, com especialização em Jornalismo Empresarial e em Comunicação Digital. Atuou nos principais veículos de Comunicação do RS, como repórter, editor e coordenador. Foi presidente da TVE, participou de campanhas politicas e de assessorias no Governo do Estado, Prefeitura de Porto Alegre, Assembleia Legislativa do RS e Senado Federal. Autor de quatro livros de crônicas e contos, além de colaborar com coletâneas. Assina uma coluna semanal no portal coletiva.net e mantém o blog viadutras.globspot.com.

