Por João B. Cabral
Acho que o mais estranho que se pode encontrar nos diários de Franz Kafka é a impressão de que podemos estar sendo levados a acreditar nas narrativas oníricas do escritor como se fossem verídicas e as verídicas como se fossem ficcionais. Mesmo assim, o mais importante autor do séc. XX na opinião de Jorge Luis Borges e de Harold Bloom surge para o leitor apenas desconcertante com a sua literatura tanto ou mais assombroso do que em suas próprias palavras.
E no caótico mundo de fragmentos de cartas, relatos cotidianos, especulações metafísicas e memórias ergue-se a imagem enigmática do escritor tcheco de origem judia que preferia a literatura à vida e cuja obra apenas foi conhecida porque o seu fiel depositário não seguiu suas instruções de queimar a maior parte de sua obra.
Os Diários de Kafka, publicados em 2021 pela Todavia, são uma espécie de auto testemunho e laboratório no qual o escritor muitas vezes examinou o seu próprio trabalho e a própria vida sem qualquer compromisso editorial. São as anotações mais autênticas, tomadas entre 1883 e 1924, de um autor que se tornou ele mesmo conceitual. Pelas suas notas, se poderá saber porque sua influência é fonte insuperável para toda e qualquer literatura, seja a mais convencional ou a mais experimental.
Acho que a recomendação que eu daria dentro da recomendação é que não se procurasse ler os seus Diários de forma linear. Melhor ler como um náufrago encontra vestígios de um mundo cujo sentido se dá pela ausência de sentido. E de repente entende que o tesouro que está tendo a oportunidade de conhecer ao mesmo tempo lhe escapa entre os dedos.

