‘É A ALES’, DE JON FOSSE

Por Maria da Graça Rodrigues

Atendo este gentil convite do Lúcio Carvalho para participar da edição de fim de ano da sua excelente Sepé falando sobre “É a Ales”, romance de  Jon Fosse, escritor norueguês que acaba de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura.

E por que escolhi escrever sobre um romance deste autor lá da Noruega distante? Por causa do prêmio? Não, se fosse assim eu teria dado preferência a outros também agraciados com o Nobel em resenhas anteriores. Só posso afirmar é que até agora ainda não superei o impacto da leitura do “É a Ales” e talvez por isso precise dividir esta sensação.  

Para começo de conversa Jon Fosse subverte tudo o que aprendi nos cursos de escrita que frequentei antes de publicar meu primeiro romance.

Longe de mim advogar contra oficinas literárias, isto fique claro, mas foi estranho ler uma obra tida como o máximo da literatura e reconhecer que é justo o contrário de tudo o que os autores contemporâneos têm seguido como normas de boa escrita.  

Vamos então a alguns dogmas das oficinas literárias ou podemos   chamar:  “Tudo o que você deve evitar na sua escrita, mas que um ganhador do prêmio Nobel usa e abusa.”  

Primeiro: adjetivos, esta é uma das proibições mais severas para os candidatos ao ofício da escrita. Ai do infeliz que ouse adjetivar algo ou alguém, vai para o calabouço na hora. Mas Jon Fosse, vejam vocês,  nos exibe  coisas como “barquinho bonito” “vento cortante” “escuridão pesada e preta” “cheiro pungente” e por aí afora.   

Segundo: repetir palavras. Então sai o candidato a escritor à cata de sinônimos ou mesmo a fazer cortes radicais no seu texto.  E como age o  norueguês premiado? Atentem aqui  para uma frase que apanhei ao acaso: “ e ela o vê ir até a estufa, ele pega uma acha de lenha e se abaixa e coloca a acha dentro da estufa e então se levanta e olha as chamas e passa um tempo parado olhando as chamas ..”    

Terceiro: diálogos. Devem ser evitados ao máximo. E, se corajosamente, o aluno de oficina literária lance mão do recurso diálogo e, pior, no final avisar quem falou com um “disse fulano” “respondeu sicrano”, pode ter certeza que será convidado a desistir da literatura, talvez não com palavras duras, pois que os mestres costumam ser educados, mas farão comentários e expressões que ele terminará por entender o recado.  

Vamos então a um dos tantos diálogos que encontramos no É a Ales:

“E, só a escuridão, diz Asle
Para o que você está olhando, diz Signe
Eu não sei para o que estou olhando, diz Asle
Mas você está parado defronte a janela, diz Signe
Estou mesmo, diz Asle  
O que você está pensando, diz Signe
Nada em particular, diz Asle
Sei, diz Signe
Eu vou,  diz Asle
Enfim eu, ele diz”

Se eu recomendo o romance? Sem dúvida. Se gostei do livro? Posso dizer que valeu cada linha, mesmo que à medida em que avançava na leitura me sentisse caindo das nuvens e que ao chegar na última frase senti como se me estatelasse no chão.

Mas ao voltar a mim percebi que estava diante do novo e não há como negar que o novo assusta.

Leia mais da autora em Sepé.

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