‘SOPAPORIKI’, DE RICHARD SERRARIA

Por Adriana Bandeira

ÔO!! Que nascida é esta canção!

Sopaporiki é assim. Puro convite para dizer do jeito que vem. Chego a esta conclusão, num suspiro bom, depois de um trabalho extenuante para escrever uma resenha de um jeito formal, numa perspectiva de aconselhar a leitura, ou transmitir o que de bom este livro faz. Impossível dizer disso sem trazer vocábulos espontâneos, transcrições simples de uma surpresa, uma satisfação, um assombro, uma descoberta dentro, uma caça ao tesouro na alegria da enunciação vívida de quem está alfabetizando-se. Sim! Senti-me desta maneira ao ler Sopaporiki.

Este sentimento, confesso, quis de mim reconhecer que estava diante de um conteúdo diferente. Mas se estamos falando de uma língua diferente, para além disso, estive e estou diante de um reconhecimento do estranho familiar, de um convite a exercer a alteridade para ler do jeito que eu bem queira ser. Ler e ser fazem seu resgate na alcova das singularidades, quando realmente lemos ou não. Talvez aí o diferente possa existi. Não no conteúdo mas na forma de viver isso que convida a dançar.

Sopaporiki faz assim: lança mão da sonoridade simples de palavras conhecidas e redescobertas, ensinando a levar a sério o que já foi fundante para cada um de nós, enquanto pessoas: a liberdade de criar e ler e continuar uma alfabetização que nunca termina, se estamos falando de tantos eus quanto forem possíveis, nisso que é crescer.

Numa forma simples Sopaporiki insinua, canta, chama, dança, geme. Bate tambor Sopapo e mexe com o corpo da palavra.

Como numa ciranda, cada poesia é nomeada com este sopro de batida: soca e assopra para trazer à vida! Os sopapos/sopipas tem o nome de entidades como: Sopapo Bará, Sopapo Ogún, Sopipa Iansã, Sopapo Shángô, Sopapo Odé e Otín Sopipa, Sopapo Ossãin, Sopapo Shapanã, Sopipa Obá, Sopapo Ibedji Sopipa, Sopipa Oshún, Sopipa Iemanjá, Sopapo Oshalá Sopipa.

As “Sopipas” são designadas pelo autor como o sopapo enquanto gênero feminino. Muitos poemas são nomeados com os dois gêneros, reconhecendo de forma simples a natureza humana e das entidades enquanto energias, nesta condição de colocar-se enquanto feminino ou masculino conforme as inserções culturais de liberdade ou de aprisionamento, desde um lugar em que reconhecer isso é libertador, se estamos falando do que é sagrado.

O livro nos presenteia também com um glossário amefricano, conceito de Lélia Gonzalez (1935-1994) para referir-se à formação histórico-cultural do Brasil e a importância da presença negra.

Preciso dizer que se esperavam desta resenha um escrito formal, estilo imparcial de “dica de livro”, impossível! Primeiro porque em se tratando de alfabetização, se estamos neste processo de descoberta de uma linguagem que nos faz mais existentes no mundo, não é possível sermos imparciais, senão, apaixonados; segundo porque as poesias de Serraria levaram-me de volta aos meus 6 anos de idade, quando fui apresentada ao benzedor de um bairro distante do centro da cidade de brancos onde eu morava, e moro até hoje. Ali, ao ferver um copo dágua na minha cabeça, murmurou segredos noutra língua, deixando um cheirinho de arruda na minha condição existente de criança, para sempre. O que ele disse? Começo a entender que sei! Aliás, minha cidade é um mundo diferente, preciso dizer, depois de ler Sopaporiki, depois de lembrar que fui benzida na língua da mãe de todos.

Sopaporiki é um livro do doutor e pesquisador Richard Belchior Klipp Burgdurff, poeta conhecido como Richard Serraria.

Leia mais da autora em Sepé.

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