Por Carlos Roberto Martins dos Santos
O editor da revista Sepé me informa que é um convite especial que ele está me fazendo. Deseja que eu escreva uma apresentação para um edição também especial, de fim de ano, na qual dezenas de escritores e escritoras recomendam livros publicados de qualquer época que impactaram sua leitura nesse findouro 2023. Como é especial o convite, ele não me deixa escolher e sugere que eu fale um pouquinho de uma obra mais que especial, mais que obra um projeto, nada menos que o “Projeto Luiz Gama”, organizado pelo pesquisador Bruno de Lima e cujos 11 volumes e que a editora Hedra vem publicando desde 2022.
Comentar uma obra que fala por si só parece desnecessário, mas eu acredito que, pelo desconhecimento que ainda paira sobre o legado humanista de Luiz Gama e pela extensão da sua produção intelectual, sempre há o que se dizer. É imperioso que se o diga, que se divulgue o seu trabalho e que permaneça viva a sua memória.
Em primeiro lugar, os leitores devem procurar pensar no Brasil do séc. XIX. Precisamente em 1870, quando Gama começa sua carreira de advogado. Dali até sua morte, em 1882, Gama produziu centenas de textos jurídicos, literários, jornalísticos e teóricos que se mantinham incógnitos. Apenas uma pequena parte dos ses artigos de imprensa era conhecida do público. Foi necessário um trabalho hercúleo nos arquivos dos estados da federação para recompor de forma absoluta esse trabalho e erguê-lo na forma de uma coleção indispensável aos estudantes de Direito e todos aqueles que desejam compreender a dimensão histórica da luta abolicionista de Gama e do drama da população negra brasileira até que isso ocorresse e, como sabemos, ainda depois.
Escrevendo muitas vezes sob pseudônimo e tendo sua atuação condenada por intelectuais de peso, como José de Alencar, Gama tinha uma compreensão e clareza total em relação ao mundo no qual circulava. Com o apoio popular de uma população farta de violência e contando com um conhecimento incomum para um homem negro da vida dos tribunais, Gama é um nome que destoa completamente de uma época em que o Brasil via com naturalidade o regime de escravidão enquanto o mundo inteiro já o repudiava. Não fosse por ele, quem sabe custaria muto mais para que as pessoas fossem sensibilizadas pela necessidade de libertação.
“Em nós até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta cor convencional da escravidão, como supõem os especuladores, à semelhança da terra, através da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.
Eu gostaria de concluir a contribuição que me foi pedida mostrando um trecho só da eloquência e potência das palavras de Luiz Gama (acima) que, por obra desses 11 volumes, se torna indispensável a todos que amam e desejam conhecer em profundidade esta nação.

