‘FREUD: DE VIENA A PARIS’, DE ARIANE SEVERO

Por Myrian Beck

Freud: de Viena a Paris, da escritora e psicanalista gaúcha Ariane Severo,  é um livro inspirado, primorosamente escrito, num ritmo adorável, com imagens fortes, texto criativo e comovente. Quer seja pela forma como contextualiza o período da Segunda Guerra Mundial e a loucura perversa do nazismo; quer seja pela tragédia humana de dores, medo, mortes, forme, desesperança, onde milhões de pessoas estão mergulhadas, entre eles Sigmund Freud e sua família.

A autora nos leva a varar a noite glacial que parece não ter fim na viagem de trem de Viena a Paris, onde eles embarcam saindo, enquanto dá a conhecer fragmentos de suas vidas e muito do pensamento e obra de Freud, centro da narrativa. Ariane cria um jogo interessante com várias vozes contando a história. Às vezes a da esposa, Martha Freud, outras da filha e assistente, Anna, e outras claro, na dele mesmo, voz nervosa, sensível e humana: A angustiada voz do homem cujo pensar mudou o mundo. O câncer que o consumia ferozmente lhe impingindo dores lancinantes não o impediu de produzir um saber incomensurável, vivo e audaz, ainda nos dias de hoje.

Ao ler Freud: de Viena a Paris, somos conduzidos através de duas instâncias – a pessoal e a pública. À primeira, cheia de afeto da família e cuidados com a terrível doença no sentido da superação possível junta-se a emigração repentina, momentos antes de os nazistas conseguirem prender toda a família e envia-la para a morte; a segunda instância, do gênio que olha para o mundo com os olhos de ver, para a vida em si e o seu pulsar, para as tragédias pessoais que, escondidas nos preconceitos, condenam as almas ao sofrimento pela ignorância sobre si mesmas. A consciência de Sigmund Freud, num misto de grandeza e humildade, percebe seu próprio destino no sentido do legado que libertará gerações futuras. Há, portanto, algo de mártir no gênio que oferece sua vida e sua obra aos outros. E há muito de profeta na medida em que suas verdades lhe chegam não raro pela intuição, pelo processo criativo e pela fé na vida. O livro nos leva a vários e interessantes mergulhos nas memórias de Freud e suas reflexões, cheias de respeito e admiração pela escultura, literatura, mitologia, arquitetura, poesia, tendo todas estas riquezas a embasar e definir os rumos da sua arte-ciência: a psicanálise.

Embarquei nervosamente no trem que levaria Freud e sua família – quem sabe? – a salvo em Paris. Cada final de capítulo do livro é uma estação que se encerra com a palavra exata na direção ao próximo.

Mais não conto. É spoiler.

Leia mais da autora em Sepé.

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