O FUTURO DA LEITURA, uma entrevista com Andréa Winkler

A professora Andréa Winkler desenvolve há alguns anos a pesquisa Estratégias de leitura no contexto escolar da contemporaneidade. É professora do curso de Pedagogia da Faculdade Cenecista de Santo Ângelo e Mestre em Educação nas Ciências. Nossa conversa com a professora Andréa teve a finalidade de discutir temas que nos últimos tempos têm estado sempre em questão para educadores, escritores e demais interessados na leitura literária: qual afinal o impacto da tecnologia no mundo da leitura, quais as características desse encontro inevitável, o futuro do livro, do uso da inteligência artificial e da própria educação? Para além de constatar as dificuldades que não são poucas, a professora Andréa oferece uma visão de convergência.


O avanço do uso de mídias digitais, principalmente a partir do uso cada vez mais precoce dos dispositivos móveis, vêm impactando o mundo da leitura de forma bastante importante. Pesquisas como a  Retratos da Leitura no Brasil chegam a apontar que os índices de leitura livros decresce tão rapidamente quanto avança o consumo de informação digital. Como você compreende esse fenômeno e em que medida isso impacta a formação cultural dos estudantes brasileiros? Quer dizer, como qualificaria esse impacto que parece ser uma realidade já?

É fato que o uso das mídias digitais têm afetado a relação do jovem com a leitura, pois o universo digital está na palma da mão de todos, com muita interatividade, entretenimento e lazer, é um fenômeno próprio e característico das gerações atuais, principalmente daqueles que já nasceram quando a internet já existia, os chamados nativos digitais. Acredito que isso impacta o mundo da leitura à medida que as crianças e jovens não são apresentados, orientados e estimulados ao universo da leitura. Qualquer dispositivo digital também dispõe de sites, plataformas, bibliotecas maravilhosas para se visitar. Meu ponto de vista é que a tecnologia pode ser uma aliada para a formação de leitores, nunca se teve tanto acesso à leitura como hoje, esse impacto pode ser positivo, pois a falta de leitura dos brasileiros não é causada pelo consumo da informação digital, mas pelo uso que se faz da tecnologia, acredito que esse seja o problema, assim como o ritmo desenfreado em que vivem as pessoas para garantir sua sobrevivência, que leva a falta de tempo de interação com material de leitura, a formação do leitor na infância, as conversas e debates sobre obras. Ninguém ama o que não conhece, é preciso reencantar as pessoas pela leitura, os melhores ambientes para isso com certeza são o familiar e o escolar.


Neurocientistas, teóricos e pesquisadores da educação parecem ainda não estar de acordo se há benefício ou prejuízo cognitivo com a adoção massiva de recursos tecnológicos para a leitura. Enquanto alguns preconizam o cataclisma do livro como o conhecemos, outros apontam para uma convergência inevitável. O que há de realidade palpável e exagero nessas percepções?

Particularmente eu prefiro o livro, gosto de tocar, virar a página… mas se você perguntar a um jovem ele responderá que prefere o meio digital, porque consegue ler em qualquer lugar e que evita o desperdício de celulose, aspectos positivos. Não creio no desaparecimento do livro como conhecemos (também não se pode duvidar), mas por que as duas formas não podem viver concomitantemente? Não vejo nada de errado nesse aspecto, pois o que realmente importa é que o conteúdo das obras em si, seja lido. O problema está na formação efetiva de leitores, no conceito que cada indivíduo tem sobre a leitura. Enfim, o que temos com as novas tecnologias é um novo formato para o livro.


Uma das preocupações de educadores e mediadores da leitura é a baixa disponibilidade de fontes de acesso livre à população, especialmente os usuários da educação pública. Como você avalia os recursos e investimentos públicos brasileiros no sentido de prover acesso e fontes confiáveis para o público de estudantes?

Como professora da rede pública estadual observo que anualmente as escolas recebem um material bastante rico de literatura infanto-juvenil, incluindo obras clássicas, principalmente do FNDE, inclusive a escolha do material de leitura é feita pelos professores. Quanto ao acesso digital os estudantes contam com a as plataformas Elefante Letrado e Árvore do Livro que são bibliotecas bastante interativas com  jogos, cursos, sequências didáticas; sem falar da Biblioteca do Domínio Público que dispõe de clássicos da literatura mundial. Nesse sentido o acesso a boas obras é muito maior do que em qualquer outra época, porque os meios digitais possibilitam isso. Por outro lado há falta de gestores de leitura, aquele profissional responsável para mediar a leitura na escola, falta de infraestrutura nas bibliotecas (quando não está fechada) e de bibliotecários (geralmente o encarregado é um professor ou funcionário com delimitação de função). Dessa forma, é possível afirmar que há fontes confiáveis, o acesso é que não é tranquilo devido a esses problemas de recursos humanos.


Sabendo que no Brasil cerca de 40% das escola não contam com bibliotecas e, por outro lado, as escolas e empresas educacionais privadas cada vez mais se apropriam e difundem os bens culturais digitais, um fosso parece se abrir entre a população. Como gestores, educadores e demais interessados podem agir para sanar essa diferença que no ambiente escolar deveria ser reduzida ao invés de ampliada?

O problema das bibliotecas escolares é realmente muito sério no país, um ambiente que deveria ser o cerne de uma instituição escolar, em muitos casos não existem, estão fechadas e o encarregado não possui a formação adequada para ser um gestor ou mediador de leitura. Dessa forma, não adianta ter fontes e acessos confiáveis se não há quem interaja com livros e possa mediar a leitura. Se quisermos  construir leitores é necessário investir nas bibliotecas, é inadmissível que uma escola não possua pelo menos uma; investir em bibliotecários, gestores de leitura e no professor também. Esse fosso trazido na pergunta, é mais um retrato da desigualdade social, a diferença público e privada tem raízes no comportamento leitor das próprias famílias: quem vive de um salário mínimo mal  tem condições para sobreviver, imagina comprar, revistas, jornais ou livros? Se não há material de leitura, como vai desenvolver um comportamento leitor? Diferente de quem pode manter os filhos numa escola privada.


Com a chegada ao que tudo indica irreversível de uma nova onda tecnológica, a da inteligência artificial, qual a sua opinião a respeito do impacto que ela pode ter no ambiente de leitura e desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes?

Se o ser humano souber usar a inteligência artificial com controle e sabedoria, essa só vai contribuir para o desenvolvimento da leitura, poderá facilitar o acesso a obras literárias conforme o perfil do leitor que a IA armazenar. Defendo a ideia que todo avanço tecnológico contribui para o desenvolvimento das pessoas, do planeta. Como já afirmei anteriormente a tecnologia não é responsável pela crise de leitura, o problema é o uso que estamos fazendo dos meios tecnológicos, principalmente dos dispositivos móveis, isso inclui  os adultos. O ser humano faz um uso desenfreado, ilimitado, quase alienado da tela do celular, o que vem interferindo até mesmo nas relações sociais, se houvesse mais limites e diálogo entre os usuários não estaríamos nesse estado de demência digital. Estamos diante de um jovem diferente, e nada adianta demonizar as tecnologias, é muito mais inteligente ter o controle, usá-la como uma aliada para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, para isso acredito em limite e disciplina. Para desenvolver a leitura é preciso convívio com histórias interessantes, buscar novas estratégias de leitura para esse jovem conectado é fundamental, além de comportamento leitor de pais e professores. Se a criança e o jovem ocupassem um terço do tempo que passam no celular realizando uma leitura prazerosa, com certeza até a sua atitude com relação aos meios digitais se transformaria, porque ler é um ato libertador.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *