Por Monique Rodrigues
Já dizia Mario Quintana que “viajar é mudar a roupa da alma”. Ah, a sabedoria de um poeta. Neste livro, um viajante peculiar chega numa cidadezinha desconhecida em plena Alemanha do século XIX, e tudo muda: o vilarejo e a sua vida.
O livro em questão é O viajante do século (lançado em 2009, e, no mesmo ano, vencedor do Prêmio Alfaguara e do Prêmio da Crítica, na Espanha), do escritor argentino Andrés Neuman, publicado no Brasil pela editora Alfaguara, em 2011, e ainda pouco conhecido por aqui. Hans é um forasteiro que chega à cidade enigmática e fictícia de Wandernburgo numa noite gelada de inverno. Sua intenção é passar a noite ali e seguir viagem no dia seguinte, mas a cidade o prende de alguma forma. Questionado sobre o que traz no seu baú para que ele seja tão pesado, Hans responde: “o mundo inteiro”.
Em Wandernburgo, ele é capturado pelo som de um realejo e de seu tocador, um velho cuja moradia é uma caverna, e seu melhor amigo, Franz, é um cachorro. E para essa cidade que atrai como um ímã, a música não poderia ser outra: só um realejo daria conta dessa aura mística e filosófica, de música, de pensadores e de uma caverna.
Não bastasse isso, Hans se apaixona por Sophie, uma mulher que lê, que conhece – assim como ele – várias línguas, e que se impõe, de uma forma muito bonita, nesse lugar dominado por homens. Hans é tradutor, chega ninguém sabe de onde, mas Sophie também é uma viajante aqui: ela sabe que é uma mulher à frente do seu tempo, ela sabe que precisa de muito mais esforço e delicadeza para ser ouvida e respeitada como mulher em sua totalidade.
É interessante perceber que a narrativa é dividida de acordo com as estações do ano, e segue o clima de cada uma delas. Ao fundo, o realejeiro toca o seu instrumento e a cidade e seus habitantes surgem numa espécie de labirinto. E no centro de tudo isso, um amor real, com as imperfeições que o tornam verossímil, e uma mulher e um homem completos, de vida e de sonhos.
O viajante do século é um livro delicado e original, e que abarca vários tipos de viagens. São jornadas para lugares novos, jornadas para momentos diferentes do tempo, e jornadas que acontecem por meio dos livros, em uma homenagem à literatura. O romance é daquele tipo de leitura que, quando fecharmos os olhos, reverberará na memória. Por muito tempo.

