‘POEMAS MAIS OU MENOS DE AMOR & OUTROS POEMAS’, DE DIANE DI PRIMA

Por Gisela Rodriguez

Quando li pela primeira vez a Diane di Prima eu era uma adolescente rebelde, entediada, com o vício de ver poesia em tudo, e uma feminista ainda calada por não saber bem como dizer o que me incomodava na realidade a minha volta. Di Prima me trouxe uma estranha liberdade. Digo “estranha” pois abriu uma ainda inexistente possibilidade: a poesia como revolução sexual. Encontrei uma mulher falando sobre a sua sexualidade sem os ranços de uma sociedade patriarcal. Falando sobre maternidade, instintos atávicos ligados à natureza, situações místicas enredadas em versos, e o engajamento político delineado por textos irônicos. Me perco ao lembrar as sensações que invadiam meu pensamento com a leitura de poemas que representavam mais que a literatura beatnik, que iam além de um movimento literário.

Recentemente adquiri Poemas mais ou menos de amor & outros poemas (Editora Jabuticaba, 2022), a primeira publicação dessa obra no Brasil, organizada e traduzida por Fernanda Morse. E é sobre ele que me debruço nesse momento. Bem, o que dizer sobre algo fictício que nos transporta para o mais íntimo que há dentro da gente? É um turbilhão mas é também aconchego. Arrebata e ancora. Pra mim esse livro me lança em reflexões acerca da minha realidade como mulher que deseja emancipação dos desgastados relacionamentos sociais, quer sejam de trabalho, quer sejam íntimos. Na primeira parte dessa antologia temos os Poemas mais ou menos de amor e compartilho minhas impressões sobre essa escrita: no meio de tantas águas profundas (metáfora que eu escolho para o amor) encontramos um deboche ora escrachado, ora sutil. A tênue linha entre deixar-se levar pelos meandros de uma paixão e a análise crítica sobre o próprio ato de devoção. Uma poeta que se expressa além do seu tempo, invertendo o conceito da conquista masculina e seus dilemas e trazendo uma entrega sensual e emocional em tom de desapego. Transcrevo alguns momentos:

*

Se você me largar eu te largo
já larguei, boneco
conheço os seus joguinhos

Se você me desprezar eu já percebi
como tem bocas melhores que a sua por aí
corpos mais envolventes
cenas mais selvagens que essa.

Se você me largar não vai dar em nada.

*

sua língua
estoura
como uma rebelião
na minha cabeça

*

a palavra que você sussurrou
transformou seu cabelo
em serpentes
e aquela estrela
seu rosto
quase se extinguiu

Seguido de “Poemas mais ou menos de amor” temos “Outros poemas”, que reúne textos de diversos momentos na vida da escritora. Neles vemos seus amores chegando e partindo, sua família, seus filhos e a rotina como mãe e escritora. Detalhes da paisagem entorno de casas trazendo uma percepção sobre plantas, árvores, ervas, temperatura. Menstruação, gravidez, sexo. Amigos que partiram. Lutas que foram travadas pelos direitos dos esquecidos em uma sociedade capitalista. Enredos envolvendo práticas esotéricas. A lembrança pungente de seu avô, que, como explica Morse, é quem a inicia na literatura, nas artes e nos mistérios alquímicos da existência.

Leia mais da autora em Sepé.

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