Por Gabriel Gonzaga
Li O Sol na cabeça (2018) num curso sobre escrita de narrativas curtas. Foi uma daquelas leituras que nos leva pro autor, e pras ideias do autor e depois pras suas páginas das redes sociais. Fui fisgado pelas letras de Geovani. Não que eu seja autoridade nem nada, apenas parecia algo diferente. Um cara que defende a legalização das drogas, que denuncia o genocídio da juventude negra e a brutalidade policial. Esse mesmo cara escreve histórias ambíguas, que nos carregam pra algum canto, sem dizer pra onde nem quando. Indiquei o livro de contos do Geovani pra todo mundo.
Celebrei quando saiu seu primeiro romance, Via Ápia (2022). Novamente, não sou expert, mas Geovani Martins tem algo. Vou opinar: tem um projeto de escrita. Sua caneta parece decalcar a paisagem do lugar, da favela da Rocinha, onde se passa a vida dos protagonistas. Cinco jovens vivem suas vidas cheias de altos e baixos no trabalho, no amor e nas amizades. Tão sempre preocupados com grana, paquerando alguém e aproveitando um tempinho pra fumar um baseado e curtir com os crias. Cada qual pensa diferente, sonha diferente e prioriza coisas diferentes. Geovani faz bem seus personagens – Murilo trabalha na polícia, e Biel, seu parceiro de ap, o único branco entre eles, tira a sorte vendendo pros mauricinhos da zona sul do Rio. Geovani não quer estereotipar os jovens da periferia, por isso esse cuidado todo. Ele narra a vida desses rapazes nos seus lugares e constrói personagens e paisagem num só tempo, num único ritmo. Pra isso, Geovani abusa dos diálogos e da linguagem informal. O narrador conta tudo de pertinho. Sabe tudo, mas sabe da perspectiva dos meninos. Na metade do livro, saquei que seria um romance perfeito pra indicar pros meus alunos. Sou professor, aliás.
Quando finalmente fechei Via Ápia, em lágrimas, enfurecido, me repreendi: porra, como não me liguei antes? A história se passa entre novembro de 2011 e outubro de 2013, durante a invasão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) na favela da Rocinha. Ainda assim, o eixo da narrativa não é a violência, são os meninos, Washington, Wesley, Douglas, Murilo e Biel levando a vida numa boa, quase tão banal que lembra as novelas das nove. Não tem nada a ver com aquela visão de fora, de quem só sabe da periferia pelo jornalismo sensacionalista. Algo muda, mas muda devagar. Logo os guris precisam ficar mais espertos com coisas que não se preocupavam antes. A rotina na Via Ápia (a rua de acesso principal pra Rocinha) se torna mais tensa – vigiada – fica mais difícil o deslocamento pra sair e entrar da comunidade. Aumenta a tensão e o medo. A paisagem se transforma, e os meninos também. Ficam cada vez mais nervosos e preocupados com o futuro. É a experiência do cerco à juventude negra que Geovani Martins revela com seu projeto de escrita – um decalque da paisagem. Tudo ao redor é remexido com a UPP, se torna difícil respirar livremente. Como já vi Geovani falar nums vídeos por aí, a política de segurança não é o combate às drogas, não é a criminalização das drogas, é a criminalização da periferia.
Depois de ler O Sol na Cabeça, um aluno veio me dizer que queria o Via Ápia. Dei meu exemplar pra ele. Tá fissurado o moleque.

