A MENINA DO BRINCO
Como quem do nada me atiça numa
foto
(Coisa que ainda nem existe
mas já captura no instante-susto)
Salta sobre mim o velho Vermeer
com sua sede de ventres e pincéis
Traçando meu rosto
Dando-me um brinco
Uma pérola falsa que amanhã mesmo
desbota
Enquanto a tinta
Nódoa branca
Permanece.

RÉQUIEM PARA ÓSSIP MANDELSTAM
Na selva fria de Vladivostok
Lá perto de onde o sol se esconde
Vejo teus olhos numa tarde de
Inverno
Sorvendo a distância nos buracos da
Pele
E de perto
Na calha da cabeça
O pensamento no correr de Nadiejda
Os poemas mortos
Quase sempre mornos
Aquecendo a solidão de estar ali
Mas não aqui
Na selva fria
Longe dos canais de Leningrado
As calçadas cruas
Os soldados rugem
Fuzis por cima das espáduas
(Na Rússia onde se morre por um verso
Insultando os alpinistas do Cáucaso)
E a terra ouve o clamor de um dedo
Fechando a boca versejada de estrelas.

RETRATO DA CRIANÇA TOLA
Na sala de estar tinha um quadro
de foca
A foca era preta
de olhos azuis
E na cabeça empilhava uma banana
que parecia
a estátua de um primata
As patas da foca
se abriam em palmas
batendo na linha logo abaixo do
arpão
E o arpão batia palmas
para o homem
O homem barbudo que encarava
a foca
Prestes a jogar a lança.
Daniel Rodas é escritor, poeta e dramaturgo. Graduado em Letras e Mestrando em Literatura e Interculturalidade (UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros e Saturno (Editora Primata, 2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021). Tem textos publicados em vários meios eletrônicos nacionais e internacionais e participou de diversas antologias. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir incontrolável da vida.

