5 poemas de Gustavo Lagranha

o mesmo vento que varre as ruas da cidade vazia…

o mesmo vento que varre as ruas da cidade vazia
suspende os braços dos ciprestes e cinamomos
aqui
onde não alcança o rumor maquinal
onde vários verdes fraturam a grama
é o ruído dos sapos e aves noturnas
entoando preces
aqui
onde a luz vence a sombra apenas a tempo
de eximir o medo
e chamar os insetos
aqui
onde se respira mais largo
no tranquito dos cavalos
é essa tarde que não cai não cai
vermelho a se esparramar no horizonte
aqui
onde o pensamento se espicha
fumaça do cigarro
círculos concêntricos no açude
mesmo vento que encrespa
da água a vaga
penugem

balada daqui destes campos

abraçam estes campos a poeira e o cansaço
(embora corra nas nascentes o segredo
e em todo esse mato haja verdade
inenarrável, é certo,
pois nada mais há que se narre)
e o regaço quieto da noite convida
quem sabe um passeio
na franja das folhas
dentro do verde
pisando em banhados
os insetos machucam
e zunem

abraçam estes campos a poeira e o cansaço
e talvez não se possa ver pra lá
das divisas que obrigam
das línguas que intrigam
e este verso trilhado
cadenciado
balada de surdo
pássaro sozinho
em galhos secos

abraçam estes campos a poeira e o cansaço
e por mais que os olhos se ponham espertos
é difícil não os ter turvos
pois qualquer coisa comove
o peito e no escuro
os olhos da noite parecem acesos

abraçam estes campos a poeira e o cansaço
mas não há isso de desassossego
sigamos em silêncio
lado a lado
e quase certo
espantada a sombra
o passo constante
cada vez mais longe
por perto de nós mesmos

essa beira de capão…

essa beira de capão
esse cheiro de carqueja
e maçanilha
essa noite de clara chega
ao jeito duma manhã ou tarde
ou mais
um branco depositado dando forma
às coisas grama e macega
e pedras e sulcos dos trilhos
da soja que deu boa ou nem
tanto mas cede passagem
a passos trôpegos por sem hábito

mas é mais a noite
que por força não se deixa apanhar
que neste rude ritmo não hei de
alcançar como agarram as mãos
dos galhos espinhos e pontas
caraguatás arbustos graúdos
essa noite é saber de onde brota
tudo fonte seiva dir-se-ia una
o que até a criança compreende
sem ajuda de palavras
noite primal das plantas todas
noite passeio do vento que meneia
brisa que seja a borda das folhas

esse campo alçado sobre tanto campo
nesses ocos sem luz: escuro
mas nada de assombro

subindo a serra no que cai a tarde

recortes de cores contra o céu opaco
vales vazam montanhas
vacas e casas trepadas
sem gravidade
para fora do tempo

das cores
descontando telhas e tintas
bastante marrom
verdes todos
do mais musgo, útero da terra
ao claro como os olhos dela
que só de ver traz aos meus úmida,
sincera alegria

e num instante apenas,
melodia que importa
simples e maior harmonia:
meus ouvidos o vento nas copas
minha boca e língua seiva azeda
de abelha e pétalas as narinas
e os extremos do corpo galhos
que além do céu tocam
a terra toda

se há modo de reter…

se há modo de reter as mínimas ranhuras na casca do tronco da árvore que viste
certa vez entre pedaços de sol e o carinho do vento no cimo da coxilha tua terra natal
não as araucárias de capa lustrosa quase na copa e grinfas que espetam
mas aquela árvore sozinha que miraste por tanto tempo e não sabes sequer o nome
pois já não sabemos chamar as árvores
e mesmo o esforço por guardar as estreitas terminações dos galhos e a forma sempre diferente das folhas
resulta nesse vago desenho no armazém de tua memória
velho quadro pendurado e esquecido
por que passas sem notar

Gustavo Lagranha é advogado, músico e funcionário público. Mora em Vacaria, RS, onde nasceu. Em 2019, publicou pela Editora Bestiário o livro de contos Adentro. Participou de diversas coletâneas de narrativas curtas, entre elas a Contos da Sepé, com o texto O Clube. Recebeu menção honrosa no Prêmio Off Flip 2022, Poesia.

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